Estender o humor baseado em vídeos de três minutos em média para um longa-metragem de cerca de duas horas sempre foi, desde o começo, o maior desafio da trupe do Porta dos Fundos na produção de seu primeiro filme. Felizmente, Porta dos Fundos: Contrato Vitalício dá conta do recado e fica longe de ser apenas uma compilação de vários esquetes, preocupando-se em efetivamente contar uma história com começo, meio e fim, ainda que nem sempre acerte pelo caminho.

Um dos criadores do grupo, é o onipresente Fábio Porchat quem assume as rédeas tanto do roteiro (escrito em parceria com Gabriel Esteves) quanto do elenco, na pele do protagonista Rodrigo. Rodrigo e o cineasta Miguel (Gregório Duvivier) são premiados no Festival de Cannes e, no calor bêbado do momento, o primeiro assina um contrato vitalício em que promete trabalhar com o outro para sempre. Na mesma noite, Miguel some misteriosamente. Apenas dez anos depois, quando Rodrigo já tem uma carreira estabelecida como ator, Miguel ressurge, determinado a filmar uma história estapafúrdia sobre seus dez anos desaparecido – o que, segundo ele, envolve abdução por seres alienígenas e uma rebelião contra um ditador no centro da Terra.

Assim, a história do filme dentro do filme serve como o pretexto ideal para que o elenco do Porta se aproveite do nonsense para rir não só deles mesmos, mas da indústria do entretenimento como um todo. Logo, sobra espaço para caricaturas de velhos conhecidos da mídia: o jornalista de fofoca (Marcos Veras), a blogueira fitness (Thati Lopes, mais conhecida como Jéssica), o empresário amigo das celebridades (Luis Lobianco) e até a encarnação em vida do stalker obcecado (Totoro). O exagero com que cada uma das figuras é retratada é proposital e, na maior parte das vezes, engraçado, especialmente quando é levado às últimas consequências. O exemplo mais bem-sucedido disso está na “dupla dinâmica” vivida por Júlia Rabello, que interpreta uma preparadora de elenco implacável, numa homenagem (ou não) a Fátima Toledo, e o novato Rafael Portugal, o ator que sofre nas mãos dela até ir aos poucos se metamorfoseando numa espécie de animal adestrado.

Além disso, chovem referências engraçadinhas e irônicas sobre o universo das celebridades, desde a presença de convidados como o apresentador Nelson Rubens (ok, ok!) a menções sobre A Fazenda e Se Eu Fosse Você, passando por uma divertida recriação do épico final de Cinderela Baiana, o clássico máximo do trash involuntário nacional.

Nesse universo de exagero, é Porchat quem assume a tarefa de ser o personagem mais “normal”, reservando a maior parte das piadas para o resto do elenco e se saindo bem em sua jornada de autodescoberta, por mais óbvio que pareça seu arco. Sua dinâmica de amor e ódio com o amigo Miguel, que ultrapassa os limites da insanidade, lembra a relação de duplas de comédias dos anos 90, com O Pentelho e outros filmes da Sessão da Tarde. Mesmo Duvivier, que tem a tarefa de assumir o paranoico Miguel, consegue explorar facetas diferentes em seu personagem, sempre deixando claro que o afeto pelo amigo é verdadeiro, apesar de tudo.

Portanto, é uma pena que a direção de Ian SBF soe tão burocrática, com uma fotografia chapada que poderia ter saído de qualquer comercial com forte influência do mundo publicitário. O resultado é que o filme perde o ritmo gradualmente, e nem sempre as piadas funcionam, por melhor que o texto seja, numa clara falta de sincronia de timing cômico entre direção e elenco.

Gregorio Duvivier e Fábio Porchat no filme Porta dos Fundos - Contrato Vitalício

Mesmo assim, é válido notar que Porta dos Fundos: Contrato Vitalício é um esforço sincero do grupo em produzir um filme de destaque e que, mesmo com todos os seus problemas, já está um passo à frente do triste panorama de comédias da Globo Filmes – pena que o parâmetro para a comparação seja tão baixo. Porém, já é um vislumbre de que podemos esperar produções melhores de Porchat e cia. vindo por aí.