Como muitos realizadores amazonenses, Rafael Ramos decidiu entrar na onda de fazer filmes na base da improvisação. Com gana e curiosidade, ele deu início a uma carreira recente, mas que vem criando cada vez mais expectativas ao unir sua criatividade com uma formação mais especializada, no que parece ser o movimento natural entre os diretores mais jovens do audiovisual no Estado.

Rafael Ramos iniciou sua carreira em 2008, com o documentário “Ali na esquina”. Ao longo da década, realizou ainda os documentários “Serviços Gerais” (2009) e “De onde vem” (2010), até estrear na direção de curta-metragem de ficção com “A Segunda Balada” (2012), o qual surpreendeu o público com a sutileza e sensibilidade com que tratou a história de um triângulo amoroso marcado por uma tragédia.

Nesse bate-papo do Cine Set com Rafael Ramos, ele conta um pouco sobre o início de sua carreira, os desafios e oportunidades que enfrentou, qual a sua opinião sobre o contexto atual do audiovisual amazonense e que novidades podemos esperar de suas próximas produções. Confira!

Cine Set – Como você começou a se interessar em fazer cinema ao invés de apenas curtir filmes?

Rafael Ramos – O interesse começou na época que estudava na UFAM. Trabalhei em um programa de cinema  na TV UFAM  através de um projeto de extensão do curso de comunicação. Foi um grande aprendizado. Era um programa feito por alunos. A gente tinha total autonomia. Eu era o editor do programa, mas pelas circunstâncias, acabei fazendo um pouco de tudo. O programa me possibilitou ter um contato muito grande com o cinema. Foi aí que conheci o cinema mudo alemão, o neo-realismo italiano, a galera da nouvelle vague… Conhecer a história e todo esse  processo me fascinou a ponto de querer fazer parte disso. Um dia, editando o programa,  assisti o documentário “Ônibus 174” do Padilha. Foi aí que pensei: é isso, vou fazer um documentário que é fácil de fazer. Larguei o programa e decidi entrar na área. Começou como um hobby e depois foi ficando mais sério.

Cine Set – Você começou como diretor de documentários. Que dificuldades enfrentou no início da carreira?

Rafael Ramos – No começo, eu tinha uma câmera simples e um computador. Bacana. Segui aquela máxima glauberiana de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.  Na época, como eu não tinha muita noção das coisas, achava que isso bastava.  A grande dificuldade mesmo foi trabalhar com temas difíceis (travestis, prostitutas, catadores de lixo, empregadas domésticas). Eu sempre vivi na “bolha” da classe média, então eu tinha muita vontade e curiosidade de conhecer realidades totalmente diferentes da minha. Foi coisa de garoto mesmo, de querer se aventurar. Eu tinha um problema muito sério de não medir as consequências dos meus atos.

Para você ter uma ideia,  fui uma vez entrevistar um travesti às 3 horas da manhã num beco do bairro  do Petrópolis. Apesar de passar por poucas e boas conhecendo o “submundo” da cidade, isso foi muito importante para minha formação como realizador. Walter Salles disse uma vez que com o cinema ele conheceu um Brasil diferente. Comigo aconteceu com Manaus. Essas experiências refletem no meu trabalho hoje. Me preocupo muito em ter algo a dizer.

Você passou do documentário para a ficção com “A Segunda Balada”. Por que essa transição?

Foi um processo natural. Comecei nesse gênero por questões de produção.  Documentário eu podia fazer com uma ou duas pessoas tendo um custo bem menor e obtendo um resultado satisfatório. Já ficção não te dá esta possibilidade. A logística é mais complicada. Você depende de uma equipe para as coisas funcionarem bem. E  em produções independentes, as dificuldades são bem maiores.  Essa transição  foi uma questão de tempo em  encontrar pessoas que tinham o mesmo interesse e comprometimento com o projeto.

Cine Set – Como foi o processo de realização do “A Segunda Balada” junto a Artrupe Produções Artísticas, produtora da qual você também é coordenador do núcleo de audiovisual? Foi difícil separar as funções?

Ramos – Na verdade, a ideia do filme veio antes de existir a Artrupe. Na época, eu tinha acabado de voltar dos cursos que fiz em São Paulo e o Diego Bauer me chamou para fotografar o curta dele. Nesse trabalho, eu conheci a galera  engajada em fazer arte com comprometimento, todos na gana de produzir e levar  arte  ao público. Depois do projeto, eu escrevi meu roteiro e chamei a galera de novo. Foi no processo do filme que a gente resolveu criar a Artrupe.  Em determinado momento, a gente decidiu então que o curta seria o primeiro projeto da empresa, e o filme serviu como um teste.

A gente conseguiu passar bem por isso, mostramos um espírito de equipe muito grande no projeto. Apesar de eu ser o diretor e dar as direções, as decisões sempre eram discutidas, e todos tinham voz pra dar ideias e acrescentar ao trabalho. É uma política nossa de coletividade. O esforço com o filme foi recompensado, e conseguimos o nosso objetivo: fazer um bom trabalho e alavancar o  nome da Artrupe.

Cine Set – Você tem buscado por um conhecimento mais técnico e especializado sobre o audiovisual. Pode falar um pouco sobre sua formação?

Ramos – Sou formado em jornalismo. Quando comecei a fazer meus curtas, não tinha quase noção de como era fazer cinema. O que me ajudou muito foi a literatura. Sempre gostei de ler, e a leitura é um exercício incrível pra quem quer fazer cinema. Vou polemizar: talvez seja até mais importante que assistir filmes. Força a gente a  imaginar cenários, sons, cores… a gente constrói um filme na nossa cabeça. Isso me deu uma percepção muito boa. Como no início levava mais como um hobby, eu não tinha uma preocupação com relação a formação. Quando senti que as coisas estavam ficando mais sérias e meus trabalhos ainda soavam amadores, resolvi ir para São Paulo estudar.

Em 2010, fiz um curso livre de Direção na Academia Internacional de Cinema, e um outro de Produção e Direção de videoclipes na Escola São Paulo. Depois dos cursos, voltei para Manaus e continuei meus estudos por conta própria. Agora recentemente passei três meses em São Paulo  estudando Direção de Fotografia na Inspiratorium. Como optei por viver em Manaus, fico nessa de ir e vir.

Cine Set – Com “A Segunda Balada”, você ganhou o prêmio de Melhor Diretor no Amazonas Film Festival em 2012. Você acredita que os festivais dão um impulso real para a carreira dos realizadores amazonenses?

Ramos – Acredito que sim. Sergio Andrade é um exemplo.  Tive a sorte de participar de três festivais com “A Segunda Balada”, um deles em São Paulo. Pra gente que faz filme com pouca grana, é muito importante participar de festivais assim.  A gente troca figurinhas com outros realizadores, ganha experiência, conta pontos na hora de inscrever um projeto nos editais de incentivo. E é espaço na mídia, que acaba sendo uma publicidade gratuita para o filme. De modo geral, as pessoas dão mais valor para aquilo que passa pelo crivo da crítica. Mas além dos festivais, acredito que a internet seja um espaço muito importante para os realizadores. Ela aproxima a gente com o resto do Brasil. Sinto que a galera de fora tem muito interesse em saber o que se produz aqui.

Cine Set – E como você encara o atual momento do cinema amazonense? Acredita que há mais criatividade por parte dos realizadores e mais incentivo para essas produções?

Ramos – Acho que o cinema local está em processo de amadurecimento. No último Amazonas Film Festival vi alguns trabalhos bem interessantes daqui, como “A Última no Tambor” do Ricardo Manjaro. Talvez o grande problema dos nossos trabalhos seja a falta de identidade. A gente ainda é pouco criativo.  Acho que isso tem a ver com a questão da formação. Aldemar Matias e Sergio Andrade caminham no sentido de dar uma identidade pro nosso cinema. Isso é muito importante. O cinema pernambucano deve ser uma referência para gente nesse sentido.

Cine Set – Qual filme seu você mais gostou de fazer? Por quê?

Ramos – “A Segunda Balada”, por ser meu primeiro trabalho de ficção. E também por abordar um assunto que me desperta muito interesse: relacionamento. Quem sabe eu siga os passos do Wong Kar-Wai (risos)!

Cine Set – E quais os seus próximos projetos? Já temos filme novo a caminho?

Ramos – No momento, estou envolvido num projeto do Amazonsat, sobre lendas amazônicas. E também estou em um projeto de  videoclipe que será produzido pela Artrupe. Filmes por enquanto nenhum.