“Às vezes, a morte é melhor”. Esta era uma frase marcante do livro O Cemitério, do escritor Stephen King, publicado em 1983, e virou também a frase publicitária da adaptação deste livro para o cinema, Cemitério Maldito, lançado em 1989. Ambos, o livro e o filme, fizeram muito sucesso em suas respectivas mídias, e o filme até ganhou uma sequência, sem brilho, lançada em 1992.

Um dos temas por trás da história é a dificuldade – ou mesmo incapacidade – dos seres humanos em lidar com a morte, o fim das coisas. Hollywood também sofre com isso, basta nos lembrarmos do grande número de sequências e refilmagens do cinema moderno.  Vez ou outra alguém anuncia que uma nova versão de Cemitério Maldito está em planejamento, ou desenvolvimento, e cineastas de grande destaque já se mostraram a fim de comandar o projeto. Sabemos, pela história do cinema e do gênero terror em especial, que refilmagens – assim como mexer com os mortos – quase nunca resultam em boa coisa. Porém, em minha opinião, uma refilmagem de Cemitério Maldito seria bem vinda e, nas mãos de um cineasta habilidoso, poderia render um verdadeiro clássico do terror, ao invés do filme bom, mas longe de uma obra-prima, que foi produzido no final dos anos 1980.

Antes, vamos relembrar um pouco sobre a poderosa história e o que ela representa…


Um livro assustador demais para ser publicado

Entre os anos 1970 e a primeira metade dos anos 1980, Stephen King teve aquela sua grande fase, produzindo um best-seller atrás do outro: Carrie, a Estranha (1974), A Hora do Vampiro (1975), O Iluminado (1977), A Dança da Morte (1978), A Zona Morta (1979), Cujo (1981), Christine (1982), o primeiro da saga da Torre Negra…

Então veio O Cemitério.

O livro é baseado em algumas experiências da vida do autor. Em 1978, King se mudou com a família para lecionar por um período na Universidade do Maine. Hospedaram-se numa casa à beira de uma estrada, na qual carros e caminhões passavam em alta velocidade. Havia um pequeno cemitério de bichos de estimação nas redondezas, criado pelas crianças que perdiam seus animais para a estrada. Um dia o gatinho da filha de King, Naomi, foi atropelado, e em outra ocasião, por pouco o outro filho pequeno de King, Owen, não teve o mesmo destino.

Esses elementos estimularam a imaginação do autor, que concebeu a história da família Creed. Eles se mudam para uma casa à beira de uma estrada, e próxima a um “semitério” de animais – daí o título original, “Pet Sematary”, escrito errado pelas crianças. O gato da família morre e, em gratidão pelo doutor Louis Creed ter salvado a vida da sua esposa, o vizinho da família, Jud, leva Louis até um cemitério mais adiante, um local de sepultamento indígena onde quem é enterrado lá retorna à vida. Mas não do mesmo jeito que costumava ser… E quando Gage, o filhinho de Louis, é atropelado por um caminhão, o real terror se inicia quando o pai enlutado começa a cogitar a ideia de enterrar seu filho naquele lugar também.

O livro ficou pronto, mas King o guardou na gaveta por um tempo, considerando-o sombrio e assustador demais para ser publicado. Foi convencido a enfim publicá-lo pela esposa Tabitha e pelo colega escritor Peter Straub, e o resultado foi outro best-seller. Para escrevê-lo, o autor pesquisou sobre rituais fúnebres e o luto, e esse esforço torna o livro uma obra que flerta com o gótico e explora, de maneira assustadora, o mergulho de Louis na tristeza e na loucura. O livro deve muito a Frankenstein, de Mary Shelley, mas possui densidade e atmosfera próprias, que o tornam uma das melhores obras de King.


O filme

A história era tão importante para King que ele mesmo escreveu o roteiro da adaptação para o cinema. O filme, batizado no Brasil de Cemitério Maldito, foi dirigido por Mary Lambert, uma rara diretora mulher a se aventurar pelo gênero naquela época em Hollywood. Lambert também dirigiu Cemitério Maldito 2 e emplacou uma carreira dentro do terror e do suspense desde então.

Vendo hoje, percebe-se que Cemitério Maldito não envelheceu muito bem. O filme é bom, em alguns momentos até ótimo, como nas cenas em que aparece a irmã de Rachel Creed, esposa de Louis, em flashbacks, sofrendo com uma doença degenerativa que a transforma numa criatura aterrorizante. Para causar ainda mais estranheza nessa cena, Lambert e sua equipe escalaram um homem para interpretar o papel da irmã Zelda, e ela até hoje é uma figura digna de pesadelos.

No entanto, há outros elementos que diminuem o filme. Primeiro, é o seu elenco fraco, curiosamente composto de atores da TV da época. O apagado Dale Midkiff faz Louis e não consegue realmente transmitir os estados emocionais pelos quais passa o personagem – seu luto, sua loucura e o senso de tragédia da história se diluem por causa do ator. Rachel Creed é vivida pela igualmente apagada Denise Crosby, que na época havia acabado de deixar a série Jornada nas Estrelas: A Nova Geração porque não estava gostando dos roteiros e queria emplacar uma carreira no cinema. Pena que foi só ela sair e a série começou a melhorar… Já dentre as crianças, o pequeno Miko Hughes, que vive Gage, hoje é conhecido da zoeira brasileira na internet pelo meme “Por que você não amadurece?” que veio de sua participação num seriado; e a menininha, Blaze Berdahl, frequentou a escolinha Pequeno Anakin de interpretação infantil. De todos, o melhor mesmo é Fred Gwynne no papel de Jud, uma atuação digna do ator eternamente lembrado pelos espectadores de TV como Herman Munster do seriado Os Monstros.

Por causa do roteiro ou da inexperiência da direção – foi o segundo longa de Lambert – alguns momentos com o fantasma de Victor Pascow (Brad Greenquist) acabam saindo um pouco mais cômicos do que deveriam, dissipando a tensão. E o orçamento apertado do filme fez com que algumas coisas do livro fossem cortadas ou substituídas por outras mais questionáveis – a jornada de Louis pela floresta e a aparição do espírito assustador do cemitério, o Wendigo, são substituídas no filme por uma visão com efeitos especiais duvidosos. Também se percebe que os cineastas não conseguiram ir tão longe quanto King, no livro, ao descrever o horror da situação: colocar o herói para brigar no desfecho com um boneco é tosco e decepcionante.

Porém, curiosamente, o filme ainda funciona apesar dessas falhas. Recentemente ele estreou na grade da Netflix, então, leitor, fique à vontade para conferir por si mesmo. E não dá para reclamar muito de uma obra cinematográfica que legou ao mundo uma canção sensacional dos Ramones, não é mesmo? Citados no livro de King, os Ramones gostaram tanto da homenagem que compuseram a canção “Pet Sematary” especialmente para o filme. Relembre o clipe clássico com cenas do longa:


Refilmagem: Boa ou má ideia?

Geralmente, quando escuto notícias sobre refilmagens em Hollywood me bate um desânimo. Porém, realmente acredito que uma nova versão de Cemitério Maldito, pelas razões que expliquei acima, poderia sim render algo especial e poderoso, tanto quanto o livro. Considero o livro o meu preferido de Stephen King e também o mais assustador e perturbador de todos que já li dele, e gostaria de ter uma versão cinematográfica à altura. Não consigo colocar aquele filme de 1989 num pedestal ou considera-lo uma obra incapaz de ser melhorada por uma nova visão – gosto dele, mas as falhas ficam mais aparentes a cada revisão. Neste caso, acho que vale a pena “escavar esta sepultura”.

A possibilidade desse remake já foi levantada várias vezes. Já chegamos a ouvir que a refilmagem poderia ser estrelada por George Clooney, e o diretor Guillermo Del Toro já quis se oferecer para comandar – conseguem imaginar Cemitério Maldito de Del Toro? E, recentemente, depois do sucesso mundial de It: A Coisa, o seu diretor, Andy Muschietti, levantou o braço também, dizendo para quem quisesse ouvir que, depois da Parte 2 de It, seu sonho seria refazer Cemitério Maldito. Essa também é uma possibilidade que me anima bastante.

O filme que passa na minha cabeça enquanto leio o livro – e li duas vezes – lembra aquele de 1989, mas em vários aspectos é muito mais forte e aterrorizante. Então, pelo menos neste caso, acho que vale a ressurreição. Refilmar clássicos e obras que resistiram ao tempo não faz sentido, na minha visão. Candidatos a refilmagem deveriam ser aqueles projetos que tinham potencial para serem grandes, mas que por algum motivo, não são.

A única coisa da qual tenho certeza que um possível remake não conseguirá melhorar em relação ao original é numa eventual canção. Realmente, os Ramones são imbatíveis.