Dois homens começam a se atracar como animais dentro de um carro capotado no meio do deserto. O motorista preso ao volante não consegue se desvencilhar e resta apenas pegar o extintor para se defender do algoz vindo após destruir o banco traseiro pela mala. Sem precisão, os golpes são feitos de qualquer maneira, enquanto os dentes, o sangue e o suor expressam a raiva contida ali. No meio de tanta violência, o espectador se pergunta: não havia outra forma de solucionar esse conflito?

“Relatos Selvagens” aborda a irracionalidade do homem perante o ódio e o atual estado de banalidade da violência na sociedade moderna. Todas as seis histórias exibidas ao longo do filme partem de temas universais: as mágoas constantes carregadas pela vida, traumas de infância, o duelo rico versus pobre, a indignação vinda da burocracia e corrupção, o suborno e a falta de justiça, a traição dentro de um casal. A identificação dos dramas dos personagens com histórias vividas ou conhecidas por todos nós acaba sendo imediata. Afinal de contas, quem nunca desejou se vingar da inoperância dos serviços públicos ou daquela pessoa que te fez infeliz ou da injustiça social cotidiana?

Esse jogo entre o desejo reprimido do espectador e a concretização na tela do cinema faz o êxtase da plateia, a qual, mesmo assustada com a magnitude do que vê, sente-se vingada. Porém, o diretor e roteirista Damián Szifron é hábil o suficiente para não tornar o filme uma apologia à violência. Ao optar por situações extremistas e personagens à beira do colapso nervoso, o filme busca sempre ressaltar a insanidade de uma sociedade doente em que o diálogo morre e o extremismo ganha vez.

Outra qualidade de “Relatos Selvagens” está na facilidade com que transita em tantos gêneros e estilos. Se a primeira história mistura tons de comédia com ação, a trama da morte mulher grávida após ser atropelada por um playboy aposta em um tom dramático com a escuridão da casa dominando a cena. Szifron ainda consegue prestar homenagem ao faroeste no caso dos motoristas brigões e misturar tudo no final. Essa habilidade em conduzir histórias tão díspares faz com que o longa nunca reduza o interesse do público de acompanhar cada trama sempre com uma ironia típica dos irmãos Coen e uma violência à la Quentin Tarantino.

Com um ótimo elenco liderado por Ricardo Darín e mais um trabalho impecável do compositor de trilha sonoras, Gustavo Santaolalla, “Relatos Selvagens” se mostra um grande acerto do cinema argentino depois de tanto tempo sem boas produções.

NOTA: 8,5

* Texto original alterado para substituir a equivocada expressão humor negro.