Fechado desde a segunda quinzena de março pela pandemia da COVID-19, o Casarão de Ideias retoma as atividades do cinema a partir da semana do dia 6 de julho com as sessões iniciais previstas para o dia 9, quinta-feira. A data representa o quarto ciclo de reabertura das atividades comerciais em Manaus proposto pelo governo do Amazonas. A volta, porém, será bem diferente do que o público estava acostumado a conhecer.
Segundo o diretor do Casarão de Ideias, João Fernandes, o cinema irá passar por mudanças para obedecer as novas normas sanitárias. A principal delas responde pela redução no número de assentos disponíveis para a venda: de 35 para 19 lugares. Seguindo a necessidade de distanciamento social, haverá restrições também nos lugares onde o público poderá sentar – para uma cadeira disponível, outra fechada. Por fim, a máscara será obrigatória dentro do cinema.
“Nossos funcionários também estarão com máscara e viseiras de acrílico para atender o público. Vamos oferecer máscaras descartáveis para quem não estiver com uma e teremos álcool em gel em vários lugares. Além disso, fizemos pequenas adaptações – as torneiras nos banheiros, por exemplo, foram trocadas para que seja necessário apenas um toque nelas”, disse João em entrevista ao Cine Set. Já o café do Casarão retorna já na próxima quarta-feira, 24 de junho.
Sobre os filmes, o Casarão retomou os contatos com as distribuidoras na última segunda-feira (15). Pandora Filmes, Vitrine Filmes, Arteplex Filmes e A2 Filmes estão entre as parceiras do local. João adiantou que entre as possíveis estreias do retorno está o drama sul-coreano “O Hotel às Margens do Rio”, de Sang-Soo Hong.
LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA E NOVOS CAMINHOS
Justo no ano em que completa 10 anos, o Casarão de Ideias enfrenta uma das maiores crises do setor cultural mundial e João sabe que o desafio da volta será imenso. “Percebo que as pessoas não vão funcionar no efeito manada; estarão precavidas, prudentes. A recuperação será gradual e o Casarão vai trabalhar para, pelo menos, conseguir sanar as suas despesas e se pagar. Nosso desafio será uma economia para manutenção”.
Sem a possibilidade de abrir as portas para receber o público durante boa parte do primeiro semestre e uma expectativa de um retorno lento até os patamares anteriores à pandemia, o Casarão de Ideias precisou encontrar novas alternativas e fontes de receita. A parceria com a plataforma Cinema Virtual foi uma delas e deve ser apenas o começo. “Vamos oferecer cursos online na área de modelo de negócio e gestão cultural. Iremos gravar em junho e julho para disponibilizá-los a partir de agosto. Queremos atingir nosso público de Manaus, mas, também do interior. É uma outra economia para o Casarão”, declarou João. A segunda edição da revista do espaço cultural também será disponibilizada por meio virtual.
O tradicional Festival Mova-Se de Dança também irá ganhar a internet. Previsto para acontecer em novembro deste ano, o evento dividirá atividades em praças públicas e no Largo de São Sebastião com espetáculos online. O edital de convocação será divulgado na próxima segunda-feira (22) no site do Casarão de Ideias.
REPENSAR A CULTURA
Pode parecer otimismo pensar na realização do Mova-se em novembro, porém, há um pensamento maior para que o festival seja mantido. “Poderíamos cancelar, mas, acho que isso não legitima a gente como economia. Se não fizermos, vamos retirar dinheiro de uma cadeia econômica que precisa disso para agora”, declara João, acrescentando que, somente em 2019, o evento empregou 30 pessoas diretamente e ainda movimentou o setor hoteleiro, aéreo, de restaurantes, entre outros.
Para o diretor do Casarão de Ideias, a crise provocada pela pandemia mostrou definitivamente a necessidade da profissionalização do setor artístico no Brasil. “Criamos um grupo de Whatsapp com artistas de todo Brasil e há pessoas que trabalham com arte há 30 anos e não tem um CNPJ. Se a gente for pegar aquele lema antigo de que “cultura é um bom negócio”, muita gente faltou a essa aula. De como viabilizar culturalmente uma economia. Cultura é um direito de todos e dever do poder público. Neste momento, a gente viu o quanto a cultura é fragilizada economicamente. Muitas pessoas não entendem a cultura como economia”.
Ao lado de Francis Madson (Soufflê de Bodó) e Taciano Soares (Ateliê 23), João Fernandes foi um dos principais articuladores de um trabalho para conscientizar representantes públicos e a própria classe artística sobre a necessidade da aprovação da Lei Aldic Blanc de emergência à cultura. Aprovada por unanimidade no Congresso Nacional, a lei aguarda a sanção do presidente Jair Bolsonaro. “A Lei Aldir Blanc vem para criar um equilíbrio com tudo o que saiu. Deixamos de lucrar, mas, o capital – pagamento de funcionários, contas – continuou saindo. Ela chega para equilibrar isso e não pode ser encarada como uma ajuda e sim um investimento”.
“As esferas municipal, estadual e federal pensam na cultura mais como uma questão social e menos econômica. Não é que a gente tenha que ser um produto ou mercado, mas, por exemplo, o Casarão é um espaço cultural, uma microempresa que gera renda, paga seus funcionários. Neste momento, vimos muitos grupos sem reserva econômica, capital de giro. As fragilidades ficaram visíveis. Isso respinga na falta de uma política pública federal, na total ausência do olhar sobre a cultura, o que faz a situação se agravar. Na Europa é diferente: eles percebem como a cultura é economia para o turismo e outros setores. Isso reflete nos planos de reabertura: só tem os cinemas e nada diz dos equipamentos culturais. Por que uma loja de camisa está aberta e um equipamento cultural não? Este é um tipo de reflexão a ser feita por todos. Agora, vamos viver em um estado de alerta. A partir de agora, não podemos pensar que isso não acontecerá de novo. Teremos que ter uma disciplina oriental”.