E o musical, quem diria, parece que voltou pra ficar.

O gênero, tão atacado pelo seu “superficialismo”, por mostrar pessoas que, de uma hora pra outra, saem por aí cantando e dançando como profissionais, às vezes inspirando uma alegria tão suspeita nestes tempos de fundamentalismo e violência, vem encontrando um público que, enfim, reconhece o óbvio: musicais são filmes onde se canta, dança e é alegre.

Espantoso é o fato de que esses mesmos detratores não achem “superficial” nem fora do comum o fato de que, nos filmes de ação, qualquer pé-rapado lute como Bruce Lee e saiba manejar facas e tanques.

Essas mesmíssimas pessoas admitem como “realistas” e “interessantes” filmes sobre carros de visual esdrúxulo fazendo manobras impossíveis, como Velozes e Furiosos, e gente esguichando sangue, vômito e vísceras, como em qualquer filme de terror que se preze, ao passo que uma modesta valsa no Central Park ao luar (no maravilhoso A Roda da Fortuna, de Fred Astaire, lançado em 1953) “não aconteceria na vida real”.

Para aqueles que ignoram essa mentalidade tacanha, um bom programa é o musical Rock of Ages – O Filme, lançado recentemente nos cinemas de Manaus. O filme recria, com nostalgia e muito humor, a fase áurea do hard rock pomposo e purpurinado dos anos 1980.

Sherrie (Julianne Hough) é uma fã do estilo que larga a vida no interior do Kansas (EUA) para tentar a sorte em Hollywood. Ela conhece Drew (Diego Boneta), jovem com aspirações musicais que trabalha no famoso clube de rock Bourbon Room, administrado pelo doidão gente-boa Dennis (Alec Baldwin). Todos têm admiração irrestrita por aquele que se revela a verdadeira “alma” do filme: o músico Stacee Jaxx (Tom Cruise), vocalista confuso e chapado da fictícia banda Arsenal. Paralelo a isso, Patricia Whitmore (Catherine Zeta-Jones) lidera uma campanha para “limpar” a cidade da turma “decadente e corruptora” do hard rock, encarnada acima de tudo em Stacee e no clube Bourbon.

Vê-se por aí que a trama apoia-se em clichês e anedotas sobre o período. Stacee, por exemplo, é um carbono de Axl Rose, vocalista da banda Guns ‘n’ Roses: seus trejeitos ao microfone e a atitude fora do palco são idênticas às do astro em seu auge.

Já Catherine encarna Tipper Gore, mulher do hoje intocável político americano Al Gore, que na década de 80 criou a Parents Music Resource Center (PMRC), comitê responsável pela infame classificação etária dos discos lançados nos Estados Unidos.

Tenho visto, em outras resenhas, muitas críticas à batida história de amor entre Sherrie e Drew. Elas procedem, mas penso que os méritos de Rock of Ages, como em qualquer outro musical, estão muito mais nos seus números de canto e dança do que na trama.

O já citado A Roda da Fortuna, por exemplo, tinha um fiapo ainda mais tolo de história, e mesmo assim está entre as obras-primas de Astaire e do cinema americano. Não que este filme possa ser comparado àquele, mas é no aspecto musical que Rock of Ages se afirma com uma das produções mais divertidas e agradáveis lançadas em 2012.

Quem mais surpreende é Tom Cruise. Seu Stacee Jaxx é denso e sensual, e o ator, talvez tentando reverter a maré de antipatia em torno de suas esquisitices religiosas, se arrisca como não o víamos fazer desde Magnólia (1999). Seus números musicais, em cima de canções famosas do Guns e de Bon Jovi, são interpretados com garra, apesar da voz pequena. Também merece destaque o hilário dueto com Malin Akerman, de Watchmen (2009).

Pouca voz não é um problema para Julianne Hough. Vinda do programa Dancing with the Stars, que venceu duas vezes, Julianne tem frescor, simpatia e charme de sobra no papel da ingênua Sherrie. Só não deve agradar aos roqueiros mais xiitas, que vão achar suas interpretações de “Waiting for a Girl Like You” (Foreigner), em dueto com Boneta, e “More Than Words” (Extreme) mais adequadas a Glee do que a um musical sobre rock.

Seu parceiro, o estreante Diego Boneta, tem maior “pegada” roqueira, embora não muito. Vale prestar atenção na hilária sequência em que, tentando emplacar uma carreira musical, seu personagem aceita virar membro de uma boy-band ao estilo New Kids on the Block.

Completando o elenco principal, Alec Baldwin e Catherine Zeta-Jones aparentam estar se divertindo muito em seus papéis. Ele, que tem dificuldades nos números musicais, ao menos esbanja carisma e é responsável pela cena mais engraçada do filme, um dueto com o comediante Russell Brand (“Can’t Fight This Feeling”, do REO Speedwagon), o qual vive Lonny, seu sócio na administração do Bourbon Room. Ela capricha na interpretação histérica, over-the-top, mas o diretor Adam Shankman pouco aproveita os dotes de dançarina mostrados em obras como Chicago.

Com tudo isso, Rock of Ages é uma introdução divertida e sem muitas pretensões a esse período festivo do rock. Em vez de sacrificar as canções à estética do seriado Glee (ainda que o filme tenha boa parte da equipe do programa nos créditos), como muito tem se alardeado por aí, vejo-o mais como uma forma de apresentá-las à geração atual, especialmente a que tem esse seriado como referência. Se isso não acontecer, resta pelo menos um pequeno e divertido musical para nos entreter durante duas horas na televisão ou no aparelho de DVD.

P.S.: E alguns minutos da voz divina de Mary J. Blige, em participação especial como dona de um clube de strip, não fazem mal algum.

Nota: 7,5