O automobilismo sempre foi palco de grandes rivalidades travadas por sujeitos obstinados a vencer o limite da velocidade. A dimensão de grandeza que cada piloto de ponta tem ao alcançar metas fora do alcance do nosso corpo contribui para que ganhem a sensação de quase deuses. Porém, ali ao lado, há um adversário louco para te impedir de alcançar esse feito e ser ele o maior. Tanto ego transforma duelos como Ayrton Senna X Alain Prost ou Fernando Alonso X Lewis Hamilton a alma da Fórmula-1, competição que reúne os grandes corredores para definir o campeão do mundo.

“Rush” traz um desses embates históricos, porém, marcado por personagens tão antagônicos que se completam pelas diferenças. O britânico James Hunt (Chris Hemsworth) é a emoção, o cara que sente prazer de ultrapassar no limite , bon vivant, mulherengo, despojado ao ponto de receber um prêmio sem abotoar a camisa, amigo de todos, enquanto Niki Lauda (Daniel Brühl) representa a racionalidade, piloto técnico capaz de sentir como melhorar o carro somente ao sentar no banco, dormindo após tudo estar certo, o sujeito das roupas comportadas e reservado.

Tanta diferença faz com que ambos representem o combustível (perdão pelo trocadilho) de si mesmo. Lauda sabe que não possui o carisma nem a beleza do adversário, porém enxerga no conhecimento técnico do carro a melhor resposta. Até mesmo no momento mais difícil da vida, o piloto da Ferrari usa o rival como a inspiração para que consiga passar pelo duro procedimento após queimaduras causadas no Grande Prêmio da Alemanha em 1976. Tudo para provar que é melhor. Já Hunt encontra em Lauda uma espécie de desafio de auto-aprovação, já que todas as decisões tomadas ao longo da projeção, direta ou indiretamente, são baseadas em ações do colega de profissão. Isso inclui desde a entrada na F-1 à busca do título mundial. As escolhas de Hemsworth e Brühl para os papéis contribuem muito para essa diferenciação entre os protagonistas, já que o porte esbelto e tom de voz leve do primeiro contrasta com a rudeza do segundo.

Didatismo excessivo da cena final à parte, o roteiro escrito por Peter Morgan (“Frost/Nixon”) acerta ao abordar essa ligação como fio condutor da trama e o conflito de um ser o alter-ego do outro. A trama ainda reserva espaço importante para a loucura feita por centenas de pilotos, expostos a risco de vida na F-1 durante os anos 70, período que a segurança dos carros era precária. Não há como deixar de lembrar da traumática morte de Senna durante o GP de San Marino em 1994 e notar a evolução do esporte neste quesito nas últimas duas décadas.

Sempre competente sem ser brilhante, Ron Howard acerta no tom da obra e realiza um trabalho comparável aos melhores da carreira dele, como “Frost/Nixon” e “Uma Mente Brilhante”. Conseguir misturar o desenvolvimento dos protagonistas com as grandes sequências das corridas, feitas de maneira totalmente críveis, é o principal acerto do cineasta. Além disso, o competente trabalho de mixagem de som faz o espectador se sentir dentro de um autódromo.

Não há como sair do cinema sem pensar no atual estado da F-1. Com a grana prevalecendo sobre o talento e pilotos quase sem função devido a carros desiguais, o esporte perdeu o brilhantismo do período de Senna, Prost, Lauda, Fangio e Schumacher. “Rush” pode ser um caminho para que a FIA relembre o que é o automobilismo: homens querem alcançar a glória de ser Deus em uma simples ultrapassagem.

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Cartaz de Rush - No Limite da Emoção, de Ron Howard