Quando Akira Kurosawa co-roteirizou e dirigiu Os Sete Samurais (1964), mitologia e o conceito de herói estavam em sua mente. A história de um grupo de samurais com diferentes origens e motivações que se une para salvar um grupo de fazendeiros da violência de bandidos toca num ponto muito poderoso da psique humana. Afinal, ao longo da História sempre houve opressores e oprimidos, e as pessoas sentem a necessidade de acreditar em figuras honradas capazes de ajudar os necessitados sempre que precisarem. Os samurais, com seu código de honra frente a um mundo no qual a honra estava escassa, representaram para Kurosawa e sua plateia o que super-heróis são para o público de hoje.

Alguns anos depois, Os Sete Samurais serviu de base para o remake americano Sete Homens e Um Destino (1959) do diretor John Struges. O samurai cedeu lugar ao cowboy pistoleiro do Velho Oeste, mas a mesma ênfase no heroísmo se manteve. E esta nova versão, Sete Homens e Um Destino do diretor Antoine Fuqua e com roteiro de Richard Wenk e Nic Pizzolatto, criador da série True Detective, mantém a formula do longa de Sturges e é (quase) 100% reverente ao mito do herói. O resultado é um faroeste que, embora não seja inovador, representa uma ótima sessão pipoca, antiquada e grandiosa.

A nova versão não mexe na narrativa da versão anterior, mas a atualiza, com Wenk e Pizzolatto criando um Sete Homens e Um Destino para os nossos tempos. Agora, quem recruta os pistoleiros é uma mulher, a fazendeira e viúva Emma (Hayley Bennett). Ela é também um dos personagens mais fortes do filme. Após seu marido ser assassinado ao se rebelar contra o barão das terras Bogue (Peter Sarsgaard), Emma encontra o caçador de recompensar Sam Chisolm (Denzel Washington). É Chisolm quem vai liderar o grupo de sete homens para proteger a cidade e as vidas dos fazendeiros da tirania de Bogue.

O grupo reunido pelo líder de Washington é, ao contrário do filme de 1959 no qual só havia homens brancos lutando contra bandidos mexicanos, bem diversificado. Chris Pratt, claro, nem arranha a sola do sapato do icônico Steve McQueen, mas graças aos seus trejeitos de Senhor das Estrelas assume o posto de carismático do grupo; Ethan Hawke faz um pistoleiro atormentado pelo sangue que já derramou; e na equipe há um mexicano (Manuel Garcia-Rulfo), um asiático (Byung-hun Lee, quase um cavaleiro Jedi com lâminas) e um nativo-americano (Martin Sensmeier). O inimigo é o homem branco capitalista sem limites, e é difícil não torcer pelos “pequenos empreendedores” na história – o vilão de Sarsgaard é unidimensional e tem prazer em ser malvado, mas para esse tipo de história mitológica funcionar, é até necessário que o antagonista seja assim.

E não se engane, este novo Sete Homens e Um Destino é um Filme com F maiúsculo, uma história mitológica ambientada num Velho Oeste lendário, no qual bem pouco se aproxima da realidade. Os heróis nunca erram o alvo, cada tiro soa como uma bala de canhão, e o mal é definido. Fuqua e seu diretor de fotografia Mauro Fiore são completamente reverentes à iconografia do faroeste: as paisagens são belíssimas e os espaços abertos, bastante vastos; e especialmente no início, eles filmam o vilão da trama e os heróis de baixo para cima, como figuras maiores que a vida. Washington, sempre vestido de preto, às vezes desaparece na escuridão, e Pratt no começo é mostrado num contra-luz grandioso e fica com as melhores falas, como todo vigarista carismático do cinema.

O objetivo de Fuqua não é o de reinventar a roda, mas sim o de fazê-la girar de forma bem azeitada. Felizmente ele e seus roteiristas e atores conseguem criar figuras carismáticas o suficiente para manter o interesse da audiência e fazê-la ignorar os clichês. Fuqua, um diretor de espetáculos de ação meio descartáveis, tem neste filme um dos melhores momentos da carreira, conduzindo ação de forma eficiente e empolgante – a batalha final possui ecos de O Resgate do Soldado Ryan (1998) – e dando espaço para seu elenco brilhar – o personagem mais interessante acaba sendo o enorme caçador Jack Horne vivido por Vincent D’Onofrio, que cria uma figura curiosa ao compor um violento e brutal homem de ação com uma voz meio infantil.

Claro, alguns problemas são difíceis de ignorar, como o drama em torno do personagem de Ethan Hawke que é resolvido de forma previsível, e o final do longa. Sem entrar em Spoilers… Mas para um filme que compreende e reverencia de forma tão respeitosa o mito do herói, é imperdoável que os últimos dez minutos quase ponham tudo a perder ao introduzir uma motivação de vingança para as ações de Chisolm e sua decisão de enfrentar o vilão Bogue. Claro, tanto no filme de Kurosawa quanto no de Sturges, os samurais e pistoleiros aceitavam lutar pelos fazendeiros por dinheiro, mas com o tempo a honra de cada um passava a dominar seus atos. Fora os problemas de lógica necessários para fazer funcionar o final do novo Sete Homens e Um Destino, diminuir a nobreza dos seus heróis é o defeito mais grave deste desfecho.

Os últimos minutos chegam perto de estragar o longa, mas não conseguem, graças aos méritos da condução eficiente de Fuqua até ali, e do seu elenco. Este novo Sete Homens e Um Destino não fica a dever à versão de 1959 – a obra-prima continua sendo a de Kurosawa – e segue os seus passos. Tal como o filme antigo, é um produto hollywoodiano muito bem filmado, com um elenco carismático e que parece estar se divertindo, dando a vida a personagens com os quais o espectador gosta de passar um tempo, e que agem de forma – quase sempre – heroica. Mitos, quando bem feitos, são bons de ver, e possuem um poder que nunca pode ser subestimado.