J.J Abrams faz parte de um time de nomes de Hollywood que se destacam por serem grandes contadores de histórias, mesmo sem conseguir imprimir toques autorais a elas. Assim como Robert Zemeckis e Gore Verbinski, suas obras possuem ótimo ritmo, com um bom desenvolvimento dos personagens, incluindo aí os coadjuvantes, enquanto as cenas de ação dão o ritmo da trama, apoiado em ótimos efeitos especiais. O resultado satisfatório visto em obras como “Missão Impossível 3”, “Super 8”, no primeiro “Star Trek” e nas séries “Lost” e “Fringe”, trabalhos anteriores de Abrams, se repete agora com “Além da Escuridão”.

A trama desta nova aventura de sci-fi mostra o grupo comandado pelo Capitão Kirk (Chris Pine) precisa enfrentar um terrorista que pretende destruir a Frota Estrelar e pode desencadear uma guerra contra os kloogans. Porém, o protagonista vai precisar lidar com seu ímpeto, sempre ao limite, e contar com a ajuda do preciso Spock (Zachary Quinto) para descobrir uma perigosa armadilha, repleta de traições e intrigas.

“Star Trek” já poderia ser um baita filme somente na criação das competentes sequências de ação. E isso até acontece, pois o ritmo impresso por Abrams é intenso. A sequência inicial já deixa o recado do que virá pela frente com os heróis tentando salvar um planeta e a respectiva população local de um vulcão de grandes proporções. Para isso, as reviravoltas e ameaças às vidas de Kirk e Spock, os ótimos efeitos especiais, as tiradas de humor e a estranha e curiosa maquiagem dos habitantes daquele local fazem da cena uma das mais legais do ano. É verdade que o longa não consegue atingir a leveza e diversão deste momento, pois, a história ganha um contorno mais denso e sério. Mesmo assim, o roteiro é consciente ao não tentar criar uma mitologia idiota por trás daquilo que se passa na tela, como acontece com uma série de filmes do gênero. As informações passadas para o espectador sempre acontecem em momentos de tensão, como, por exemplo, a situação dos torpedos que a Enterprise carrega ou a verdadeira identidade do vilão.

Porém, o que torna mesmo essa continuação de “Star Trek” acima das demais fitas de ação lançadas a cada temporada é o desenvolvimento que a trama consegue dar aos personagens e os relacionamentos entre eles, os tornando figuras marcantes e não apenas escadas para os protagonistas, guardando semelhanças neste aspecto com a série “X-Men”. Isso já pode ser sentido através dos coadjuvantes, os quais conseguem, mesmo em pequenos momentos, terem trechos importantes. O oficial Sulu (John Cho) ao assumir o comando da Enterprise com uma segurança surpreendente, o humor britânico de Scotty (o quase sempre divertido Simon Pegg) em uma tensa sequência de ação envolvendo Kirk e o vilão, além do valente, mas sempre tenso oficial médico Bones (Karl Urban) conseguem os melhores momentos. O único ponto negativo vai para a vergonhosa participação da atriz Alice Eve, intérprete da Dra. Carol Marcus, que, mesmo sendo importante para a história, protagoniza uma cena de calcinha e sutiã necessária apenas para satisfazer desejos masculinos de nerds virgens.

Enquanto Zachary Quinto consegue explorar bem o pragmático Spock, transformando-o em um personagem complexo ao alternar entre a necessidade de manter a exatidão com as demonstrações controladas de emoções, Chris Pine precisa utilizar muito do carisma para driblar os problemas na construção do capitão Kirk. Mesmo com a desculpa de ser imaturo e impulsivo, o líder da Enterprise chega a ser irritante pelos constantes erros que comete e depois necessita remediar, sempre colocando todos a sua volta em perigo, uma sacrilégio para quem acompanhou as versões anteriores encenadas por William Shatner e Patrick Stewart. Apesar disso, esse complemento das personalidades de Kirk e Spock dá a tônica do filme e é interessante observar como um acaba aprendendo com o outro.

Outro acerto é a composição trágica e temível do vilão encenado por Benedict Cumberbatch. Apesar de utilizar um tom que soa teatral, o ator consegue através da frieza reforçar o quanto ele se distancia da turma da Enterprise. Nele, as pitadas de humor quase não surgem e, quando acontecem, são sempre frias e destiladas com um tom duro aliadas ao isolamento e repulsa que possui das pessoas ao redor. Ainda assim, há uma fragilidade que o roteiro escrito por Alex Kurtzman, Roberto Orci e Damon Lindelof (parceiro de Abrams desde “Lost”) traz ao personagem que o humaniza em uma relação semelhante a ocorrida entre Darth Vader e Palpatine em “Star Wars”.

Com direito a uma aparição Leonard Nimoy (o Spock das versões antigas) em um convite para assistir os filmes antigos e os uniformes retrôs, a nova versão de “Star Trek” começa a ultrapassar a turma dos anos 90, ficando atrás apenas da formação clássica e imbatível. Culpa do bom elenco e da condução segura de Abrams, o cineasta do feijão com arroz de qualidade.

NOTA: 7,5