O documentário The Beatles: Eight Days a Week – The Touring Years, do diretor oscarizado Ron Howard, é algo como o equivalente visual de um texto da Wikipedia sobre a beatlemania: o fanático de carteirinha não deve achar nenhuma novidade nele, mas o filme reconta de maneira até didática aquele período de loucura e histeria em torno da banda. É um trabalho feito por um fã, para outros fãs, e que deve até conseguir atrair alguns novos fãs por causa do seu enfoque acessível e das suas imagens sensacionais.

A importância das imagens de arquivo para o projeto é imprescindível, porque só graças a elas as pessoas que não testemunharam a beatlemania podem acreditar no que foi aquilo. Um fenômeno sem precedentes em todo o mundo, a loucura em torno dos Beatles fez com que os integrantes da banda passassem por algumas experiências sem igual na história da música e da cultura pop. Só os Beatles, afinal de contas, fizeram um show num estádio superlotado para 50 mil pessoas e não puderam ouvir a si próprios tocando, por causa da gritaria – esse momento constitui praticamente o clímax do filme, aliás.

Howard sempre foi o que se pode considerar como um cineasta muito “quadradão”, alguém que, fora alguns momentos em certos projetos, nunca ousou muito dos pontos de vista visual e narrativo. Em Eight Days a Week, de novo, não há inovação: seu documentário segue o clássico esquema “imagens de arquivo intercaladas com entrevistas”. Dentre os entrevistados, surgem renomados fãs dos Beatles como o músico Elvis Costello, o cineasta Richard Curtis e as atrizes Whoopi Goldberg e Sigourney Weaver, todos tietes assumidos falando sobre a importância da banda em suas vidas. Também vemos algumas breves entrevistas com Ringo Starr e Paul McCartney; e George Martin (o quinto Beatle), Brian Epstein (o empresário), George Harrison e John Lennon contribuem via imagens de arquivo.

Curiosamente, os depoimentos de Starr e McCartney são rasos e não fornecem muitas novidades ou insights sobre a banda ou o seu fenômeno. McCartney discorre num breve momento sobre o trabalho de composição ao lado de Lennon, mas as falas dos remanescentes dos Beatles não vão além disso. De novo, quem espera alguma revelação inédita sobre a banda não deve encontra-las neste filme.

 O interesse de Howard parece ser o de incluir novos fãs. Por isso seu filme conta a história da banda de forma didática, passando rapidamente pela formação e os primeiros anos e depois se concentrando no período entre 1963 e 1965. E o filme inclui as polêmicas, como o fato da banda ter se recusado a tocar para plateias segregadas no sul dos Estados Unidos, ou a repercussão em torno da declaração de Lennon sobre os Beatles serem maiores que Jesus Cristo.

Tudo mostrado por meio de impressionantes imagens de arquivo: a banda em ação, as fãs histéricas, os tumultos, trechos de shows… Em alguns momentos, ao que parece, o lado fã de Ron Howard ganha a melhor sobre o diretor, pois ele simplesmente deixa os Beatles tocarem em certos trechos do filme, sem interrompê-los para continuar o documentário. Mas de certa forma isso é até um pouco justificado, porque o trabalho de pesquisa em torno dessas imagens, algumas raras, deve ter sido monumental…

E elas servem, acima de tudo, para nos transportar a um fenômeno único da cultura de massa e que não deve se repetir. Num momento revelador, Howard e seus montadores incluem um trecho de uma fala de John Lennon no meio daquela confusão, no qual ele reduz um pouco o impacto dos Beatles: ele diz que a banda não faz parte da cultura e que eles são apenas “diversão”. Bem, com todo o respeito a ele, os Beatles acabaram virando parte da cultura mundial, graças à qualidade inegável das suas músicas, mas também por causa do sucesso e da histeria que se criou em torno da banda. Esse sucesso e histeria foram orgânicos e naturais, ou criados por empresários espertos e marketing? Ou ambas as coisas aconteceram? Isso Ron Howard não responde, aliás, ele nem propõe essas questões. Em todo o caso, é impressionante voltar um pouco no tempo e refletir sobre por que, em nossa época de “democratização” da cultura e onde todos têm a possibilidade de apresentar sua voz, não vemos nada como os Beatles ou algo sequer parecido.

Howard pode ser um cara quadrado e muito “fanboy” da banda, mas seu documentário possui o mérito de deixar, em vários momentos, as imagens falarem por si. E o que elas reafirmam é que, sim, nunca houve fenômeno igual aos Beatles.