É verdade universalmente conhecida que a arte pulsa mais forte em tempos de confusão política. Em particular, a sátira se torna um excelente veículo para críticas ao sistema com um toque de humor. No entanto, 2017 se mostrou particularmente difícil para comediantes dessa veia, uma vez que as próprias notícias, muitas vezes, já são piadas prontas.

Armando Iannucci, um dos maiores expoentes da sátira política britânica, nos leva então para a época da antiga União Soviética, para uma comédia sobre os conflitos de poder no alto escalão russo após a morte do ditador Joseph Stalin – trazendo vários paralelos com o presente.

Os mais claros deles são a larga falência das instituições de governo e as trapalhadas a que seus membros estão sujeitos na ausência de uma espinha dorsal. Longe dos ideais de igualdade comunista, o comitê cujas ações dominam e guiam o longa – Georgy Malenkov (Jeffrey Tambor), Nikita Khrushchev (Steve Buscemi), Vyacheslav Molotov (Michael Palin), Lavrentiy Beria (Simon Russell Beale) e Lazar Kaganovich (Dermot Crowley) – é composto por homens ambiciosos, mas acima de tudo perdidos. Eles buscam uma saída para a batata quente em suas mãos, mas temem o mesmo que qualquer pessoa sob um regime autoritário: uma bala na cabeça.

No circo que se arma, trancado a sete chaves na mansão de Stalin, o mais astuto dos cinco, Beria, parte para o jogo de influências na tentativa de fazer Malenkov o novo líder, pois sabe que ele é um fantoche facilmente controlado por ele. Mesmo comprando a lealdade de Molotov libertando sua mulher da prisão política (em uma cena hilária), ele encontra resistência em Khruschev e Kaganovich, iniciando um conflito interno em meio aos preparativos para o grande funeral público de Stalin.

Adaptando a trama de uma história em quadrinhos francesa, Iannucci mescla diversos estilos em sua escrita, com o roteiro indo de comédia física à mais sofisticada ironia em questão de minutos. Ele consegue fazer isso por larga conta do elenco: os intérpretes dos cinco burocratas trazem seu melhor jogo para o filme, com seus talentos sendo utilizados de maneira perfeita. Buscemi é o jogador com cartas escondidas que poderia estar em qualquer filme dos irmãos Coen, Tambor é o pateta estabanado perfeito e Palin é o falastrão que sempre se mete em confusão pela boca, por exemplo.

O destaque, no entanto, é Russell Beale na pele de Beria. Um homem desprezível e asqueroso, que vê prazer em torturas e assassinatos e os acha parte do negócio de gerir uma nação, o político é o vilão clássico por definição que só pode ser levado a sério (e temido) aqui pelo talento do ator. A despeito de sua representação, ele pode ser visto como uma crítica ao político parte de um sistema que acredita que barbaridades podem ser cometidas do lado de fora de casa em prol da manutenção do status quo – não muito diferente dos ainda presentes hoje em dia. Como se isso não bastasse, a produção ainda tem participações ótimas de Jason Isaacs e Paddy Considine em papeis pequenos mais significativos.

O filme tem lá seus momentos que simplesmente não funcionam, porém, como tudo é feito com tamanho bom gosto, pode e deve ser considerado um triunfo. Na Rússia, já há estadistas que falam em banir o filme, o que talvez prove que Iannucci tenha colocado o dedo na ferida certa. Quem sai ganhando é o espectador.