Quanto tempo um zumbi consegue andar por aí sem que a sua decomposição se torne um problema, sem apodrecer o suficiente para simplesmente cair no chão sem forças? É provável que nunca tenham respondido a essa questão em toda a história do cinema zumbi desde que o clássico A Noite dos Mortos-Vivos (1968), de George Romero revitalizou essas criaturas nas telas. Mas talvez o seriado de TV The Walking Dead responda para nós. A série, que chegou à sua sexta temporada sem demonstrar ainda o menor sinal de um fim em vista, começa a tropeçar e a mostrar sinais de decomposição. A analisar por este sexto ano, talvez fosse melhor começar a se preparar para este fim enquanto esse apodrecimento ainda não se tornou grave demais.

A temporada até começou promissora: de repente somos jogados em meio a um grande problema para os heróis – leia-se, o maior número de zumbis que a série já pôs na tela, concentrados numa área próxima à cidade de Alexandria, aonde o nosso grupo de sobreviventes veio a se fixar na temporada anterior. Os primeiros episódios começam com muita ação e suspense e mais da carnificina zumbi que os fãs aprenderam a gostar.

No entanto, uma análise mais atenta revela problemas. A começar pelo fato de que o interessante desenvolvimento do ano anterior foi meio que “varrido para debaixo do tapete”. Ora, os últimos episódios da quinta temporada pareciam apontar para a transformação dos nossos heróis em “quase-vilões”: ao entrarem em contato com a comunidade de Alexandria, Rick (Andrew Lincoln), Carol (Melissa McBride) e alguns dos outros claramente se posicionavam para assumir o controle do lugar. Seria algo corajoso e forte de se fazer: mostrar como todos os eventos anteriores modificaram os personagens, a ponto de eles passarem para o outro lado aos olhos da audiência, o da sobrevivência a qualquer custo.

Porém, quando a temporada começa, Rick já é o novo líder e todo mundo segue as suas ordens sem questionar – seria até bom haver questionamentos, pois ele já deu suas mancadas antes. E os alexandrianos são uma decepção: tão despreparados para enfrentar os mortos-vivos que algumas cenas nas quais eles morrem adquirem um tom quase cômico. A maioria dos alexandrianos estão no mesmo nível dos tripulantes “camisas-vermelhas” da velha Jornada nas Estrelas: basicamente só aparecem para morrer e gerar tensão.

E falando em gerar tensão, no futuro esta temporada deverá ser conhecida como “o ano do Glenn” (Steven Yeun). Após uma cena da sua aparente morte, os produtores e roteiristas do seriado realmente embarcaram numa brincadeira de mau gosto com a audiência, chegando até a retirar o nome do ator dos créditos de abertura por alguns episódios. Por várias semanas The Walking Dead abusou da paciência dos fãs ao hesitar em definir de vez o destino de um dos personagens mais “gente boa” da série, e quando eles finalmente revelaram o que aconteceu com Glenn, a resposta foi anticlimática e boba, revelando a falta de propósito dramático de toda essa empreitada. Tudo não passou de manipulação da audiência.

Enquanto todos os personagens se envolviam com a matança de zumbis, a série produziu aquele que provavelmente é o seu melhor episódio desde o piloto: o quarto da temporada, sobre a transformação mental do atormentado Morgan (Lennie James) em guerreiro zen pela convivência com Eastman, interpretado por um sensacional John Carroll Lynch – e quando um ator convidado consegue, com um episódio, se tornar mais marcante do que os alexandrianos que acompanhamos desde o ano anterior, ficam claros o ótimo trabalho dele e os problemas de caracterização destes últimos. Este episódio é dramático e intenso e, numa série com pano de fundo tão niilista, a mensagem de que “o ser humano não foi feito para matar” ressoa com mais força.

Perto do fim da primeira metade da temporada, os heróis têm encontros com a ameaça dos Salvadores, que se torna mais forte na segunda metade. Assim, após o fim da “marcha dos zumbis” e da chacina em Alexandria – e de um episódio morno para encerrar a primeira metade – os sobreviventes enfim se deparam com o grupo comandado pelo misterioso Negan.

Na segunda metade tivemos alguns episódios fortes, com a participação do interessante personagem Jesus (Tom Payne) – barbudo e cabeludo, ele realmente mostra uma luz e “o próximo mundo” a Rick e seu grupo. O universo da série se amplia e descobrimos sobre outras comunidades de sobreviventes, o que parece ser a tendência futura do seriado, enfocando a reconstrução do mundo. Existe até um grande momento no episódio 12, quando Rick lidera um ataque a uma instalação dos Salvadores e os roteiristas retomam a ideia perturbadora do final do ano anterior, o de mostrar nossos heróis agindo quase como psicopatas. Por uma rodada de episódios, a série volta a ser boa e interessante. Surgem até um casal inter-racial e outro homossexual, duas bem vindas representações de diversidade dentro do seriado mais visto da TV atual.

Mas é um momento breve, pois os roteiristas, na ânsia de criar “o maior vilão de todos os tempos” e colocar os heróis na maior das enrascadas, começam a forçar barra para deixar mais tensos os últimos episódios da temporada. Assim, a trama começa a ditar o comportamento dos personagens ao invés do contrário: vemos Carol, a melhor figura da série, tendo uma súbita e mal construída crise de consciência, e vários dos heróis “emburrecendo” e embarcando em missões perigosas para gerar tensão. Uma personagem importante – um dos poucos alexandrianos com personalidade – é despachada numa cena que parece cômica. E de novo, repetindo o truque de mau gosto com Glenn, os roteiristas apelam para o suspense em torno da morte de alguém importante não apenas uma, mas DUAS vezes nos episódios finais.

Hoje em dia vemos muitos seriados produzindo episódios mornos com um momento “impactante” no final – Game of Thrones popularizou essa prática. Em The Walking Dead, neste ano, o momento foi mais importante do que a construção do episódio ou da situação e a série sofreu por isso, criando uma antecipação cuja recompensa posterior não se mostrou à altura. Isso deixa espectadores e críticos frustrados, pois paira no ar a sensação de que a série atualmente se resume a esses truques e de que não há realmente um plano sólido a respeito de para onde a historia está caminhando. Roteiristas de TV sempre usaram de truques para manter a audiência interessada, mas quando os truques começam a ser mais importantes que a história em si, o programa se torna vazio e sem sentido. O morto-vivo começa a se tornar muito frágil e podre.

Por quanto tempo mais ele poderá caminhar?
A série, e a quantidade de dinheiro que ela rende para o canal AMC, responderão a essa pergunta.