Massacres como o de 20 de abril de 1999, no Instituto Columbine, inevitavelmente deixam marcas na sociedade, e nos obrigam a refletir sobre para onde somos levados pela maneira com que lidamos com o próximo. Quando fazemos uma reflexão como essa é possível chegarmos a diversas conclusões, e uma delas é a de que definir quem seria a vítima isolada de tal acontecimento é olhar a questão de maneira pouco abrangente.

Evidente que as pessoas mortas no massacre, e suas famílias, são vítimas deste ato brutal de violência, mas ao mesmo tempo os garotos que praticaram os crimes também são vítimas de uma sociedade baseada em padrões de beleza e meritocracia duvidosa, que não aceita o diferente, quem contraria os padrões pré-estabelecidos, e se sente confortável com o banimento dos indesejáveis, como se eles não existissem.

Em outras palavras, a sociedade que é vítima desses atos de violência também pode ser considerada responsável por eles, por dar esse tipo de elementos aos oprimidos, que numa última tentativa de corrigir a descriminação que sofreram por tanto tempo, utilizam-se da violência para demonstrar a sua indignação.

Relembrando o caso, Eric Harris e Dylan Klebold, dois alunos do Instituto Columbine, entraram no colégio no dia 20 de abril de 1999 com armas de fogo e explosivos, e ao chegarem ao refeitório dispararam contra os alunos deixando 13 mortos e 21 feridos, e logo na sequência suicidaram-se.

Alguns trabalhos trataram deste acontecimento e ganharam bastante destaque, como o excepcional Elefante, de Gus Van Sant, e Tiros em Columbine do polêmico documentarista Michael Moore, que ganhou o Oscar de Melhor Documentário por este longa em 2003.

Mais do que analisar a tragédia acontecida em Columbine, Moore nos propõe voltar um pouco no tempo, ou melhor, propõe que vejamos a situação com um olhar diferente, que busquemos encontrar uma maneira de entender as razões que fizeram com que estes garotos tenham praticado tal ato, questionando diversos valores morais dos norte-americanos, perguntando até que ponto os hábitos da sociedade interferiram na origem do problema.

E quando fala de hábitos, Moore direciona a sua câmera para o hábito armamentista, sobre a cultura direcionada para um tom convenientemente defensivo, que argumenta que as armas de fogo são ferramentas importantes para um cidadão honesto e justo, que apenas busca maneiras de se defender da violência trazida pelo mundo repleto de estrangeiros.

Mas não apenas isso. Buscando respostas para compreender tragédias como a de Columbine ou a da garota de 6 anos morta com um tiro disparado pelo colega, a direção investiga de que maneira as características dos Estados Unidos, como o passado (e presente) repleto de guerras, a mídia focada no espetáculo, o alto número do desemprego, e até jogos de videogame podem influenciar as pessoas, principalmente os mais jovens, a praticarem atos de violência.

Claramente interessado em mostrar o absurdo de toda essa situação, e como o norte-americano é paranoico com a sua segurança, Moore adota um tom cômico em diversos momentos da narrativa, como ao mostrar como é fácil conseguir uma arma de fogo nos Estados Unidos, quase tão fácil quanto conseguir uma carteira de estudante por aqui. O diretor também busca criar uma linha leve ao fazer comparações com o Canadá, país vizinho dos ianques, que mesmo que esteja próximo da violência através da televisão, filmes, videogames, não se vê na mesma paranoia dos vizinhos, deixando inclusive suas portas de casa destrancadas.

Ou seja, não há dúvida sobre a relevância do assunto tratado pelo filme (apesar da falta de foco do filme ao querer abranger situações demais), e de como o debate é importante sobre esta questão. Mas Moore parece completamente determinado a provar a sua teoria, e não mede esforços para conseguir mostrar isso para a plateia. O seu estilo espalhafatoso não deixa dúvidas de que ele é o protagonista do seu filme, que ele tem uma inquietação, quer provar seu ponto de vista, e vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance, nem que tenha que fazer com que o seu entrevistado diga o que ele quer ouvir.

O momento mais delicado do filme é quando ele encontra o astro do cinema americano, Charlton Heston, presidente da National Rifle Association, e defensor ferrenho do uso de armas de fogo. A saia justa proposta por Moore é interessante e necessária, mas não deixa de ser bastante constrangedor ver Heston fugindo de forma desengonçada, enquanto Moore o segue segurando a foto de uma criança morta por um tiro em um acidente ocasionado por haver uma arma de fogo na casa.

Esse tom de “comprovação de teoria acadêmica” embrutece o trabalho, tira a sua ternura, e o deixa com uma cara manipuladora, mesmo que isso não seja 100% verdadeiro. Talvez um outro ponto de partida, uma outra maneira de desenvolver esses questionamentos, mais interessado em ir descobrindo as coisas enquanto elas acontecem, dariam um ar mais imparcial e interessante ao documentário.

Afetações de Moore a parte, Tiros em Columbine é um filme extremamente válido e que merece a visita, sem dúvida nenhuma, por não ter medo de tocar em uma ferida dolorosa que gera discussões fundamentais para a nossa sociedade. Concordando ou não com tudo o que Moore diz, este é um daqueles filmes que permanecem atuais e relevantes com o passar dos anos, uma prova cabal da sua notoriedade.