Vamos filosofar um pouco sobre Michael Bay. O diretor proveniente do mundo dos videoclips e da publicidade se tornou famoso com seus filmes de ação frenéticos a partir da segunda metade da década de 1990 e encontrou na franquia Transformers, iniciada em 2007, seu maior sucesso. Se for verdade que todo filme reflete, pelo menos um pouco, a personalidade de quem o dirigiu, então o que podemos deduzir sobre Michael Bay a partir da franquia?

Sobre a série Transformers, não há muito mistério: é a pior franquia do cinema de Hollywood. Um dia algum estudioso do cinema, ou mesmo um sociólogo ou psicólogo, vai conseguir explicar porque esses filmes fazem tanto sucesso, já que por enquanto, esse sucesso é que constitui um mistério. Os filmes são baseados na popular linha de brinquedos da Hasbro, na qual carros e outros veículos se transformam em robôs. Os brinquedos deram origem a uma série animada nos anos 1980, e depois aos filmes.

Os três primeiros Transformers não têm realmente uma história para contar, e o pouco de história que existe é mal contada – o primeiro filme, ainda o melhor deles, é o único que realmente consegue, aos trancos e barrancos, contar uma jornada com começo, meio e fim. Já o segundo filme, Transformers: A Vingança dos Derrotados (2009), chega a ser ofensivo na sua ruindade: é provavelmente a única superprodução do cinema americano a mostrar um robô soltando pum, e outro agarrado na perna de uma garota, como um cachorrinho excitado. São filmes exageradamente longos – 2 horas e meia cada um! E apesar de toda a agitação, são bastante chatos. A ação, o suposto chamariz das produções, acaba agindo contra elas por ser excessiva. São tantas explosões, tantas lutas entre robôs, que o espectador acaba ficando anestesiado e indiferente depois de um tempo. E o estilo frenético do diretor, com seus cortes ultra-rápidos, ainda prejudica a visualização dessas cenas, que se tornam praticamente um “borrão” na mente do espectador.

Nos filmes do diretor, as pessoas estão sempre bronzeadas, são filmadas num eterno contra-luz, e muitas vezes são enfocadas de baixo para cima para parecerem grandiosas. Além disso, as mulheres são quase sempre transformadas em objetos sexuais para a plateia predominantemente masculina, e as forças armadas americanas são praticamente endeusadas pelo diretor. Essas são as marcas do estilo Michael Bay – afinal, pode-se até não se gostar dos seus filmes, mas ninguém pode dizer que não se trata de um cineasta autor, na concepção mais verdadeira do termo. Basta pousar os olhos num filme de Michael Bay para reconhecê-lo como… um filme de Michael Bay.

E para tornar o diretor uma figura ainda mais interessante, é preciso reconhecer que ele já fez, sim, alguns bons filmes. A Rocha (1996) continua um filme de ação divertido até hoje, e o recente Sem Dor, Sem Ganho (2013) foi uma grata surpresa – foi quando os clichês visuais e temáticos de Michael Bay trabalharam a seu favor para criar uma paródia energética e divertida do sonho americano. Imagine Os Bons Companheiros (1990) na versão Bay, com fisiculturistas desmiolados no lugar dos mafiosos, e pode-se ter uma ideia do que o cineasta tentou alcançar com aquele filme.

Já em Transformers: A Era da Extinção, Bay faz um filme parte reinício, parte continuação dos anteriores. Passados cinco anos após a batalha de Chicago no terceiro filme, Transformers: O Lado Escuro da Lua (2011), agora os humanos veem os robôs com desconfiança e medo. O governo americano caça seus antigos aliados Autobots, os robôs do bem, em operações clandestinas, e qualquer atividade alienígena deve ser denunciada. Em meio a esse cenário, o inventor texano Cade Yeager (Mark Wahlberg, sucedendo Shia LeBeouf  no posto de protagonista humano da franquia) encontra um caminhão dentro de um cinema dilapidado! O dono do imóvel reclama que hoje em dia só passam sequencias e remakes no cinema, e a metáfora do caminhão dentro da sala de exibição praticamente sintetiza a obra de Michael Bay – ele está por dentro da piada dos filmes Transformers, o que indica certa sagacidade.

Yeager leva o caminhão até a sua fazenda, onde mora com a filha adolescente Tessa (Nicola Peltz), a “nova gatinha” da franquia após o posto ter sido inaugurado por Megan Fox. Não demora muito, e os mercenários liderados por Savoy (Titus Welliver), batem à porta dos Yeager à procura do caminhão, que acaba se revelando como Optimus Prime, o líder dos Autobots. Perseguido, Optimus reúne um grupo de Autobots e, com o auxílio de Cade, sua filha e do “quase-namorado” desta (Jack Reynor), parte para evitar que uma poderosa arma criada por uma corporação caia nas mãos dos seus velhos inimigos, agora modificados pela ação humana.

O roteiro de Ehren Kruger, o mesmo roteirista do anterior, já nem se preocupa mais em esconder a fórmula da série. Novamente começando o filme no passado, Kruger e Bay nos mostram os criadores dos Transformers explodindo dinossauros (!) e, mais uma vez, temos um indício de que eles já estiveram no nosso planeta numa era passada. Se houver mais um filme, será difícil imaginar até quando o roteiro poderá retroceder para criar uma cena inicial de impacto… Agora, até os robôs parecem confusos com a coerência interna da série (ou falta dela): Os criadores dos Transformers querem destruí-los? Aliás, quem são eles e por que não foram mencionados antes? E o robô Bumblebee, tão apegado ao Sam/Shia nos anteriores, o abandonou? E há outras besteiras também, como o fato do milionário Joshua (Stanley Tucci) conseguir manipular o genoma e os cromossomos (!) dos robôs – seres cibernéticos têm DNA?

Enfim, a trama é apenas uma desculpa para mais 2 horas e 40 minutos intermináveis de destruição, intercaladas por momentos bobos entre os personagens humanos. Neste, a força dramática do núcleo humano vem do ciúme do personagem de Wahlberg em relação à sua filha adolescente – um ciúme tão forte que o espectador começa aos poucos a suspeitar que Yeager é quem quer transar com a filha, e ninguém mais pode.

Apesar da mudança de atores, o elenco humano permanece sem graça – Wahlberg, tão divertido em Sem Dor, Sem Ganho, aqui faz um trabalho apenas adequado, e Tucci, um ator que parece já ter desistido de esperar por bons papeis, se mostra caricato e irritante no final. Já os robôs são dublados por nomes como Ken Watanabe e John Goodman, e eles se divertem com seus personagens e acabam divertindo a plateia.

Como os personagens são quase todos civis, pelo menos neste quarto filme não há a glorificação dos militares americanos, tão incômoda nos anteriores. Aliás, é curioso perceber o subtexto do filme: Yeager é o americano típico, empreendedor e bem zeloso da sua propriedade, a qual ninguém pode invadir, especialmente os pretendentes da sua filha. Não surpreenderia se ele aparecesse num abrigo antiaéreo repleto de armas… E os vilões são o governo, que invade sua propriedade, e a grande corporação, que coloca em perigo a população do planeta devido à sua busca por lucro. O herói “michaelbayniano” agora é o típico espectador dos seus filmes. O cineasta joga para a plateia e se identifica com ela – afinal, seus filmes são imbuídos de um amor por coisas populares como carros de luxo e modelos da Victoria’s Secret (cuja marca, entre outras, aparece no filme). E isso também é um indício da sua esperteza.

E o terceiro ato inteiro se passa na China e em Hong Kong, numa tentativa de expandir o alcance hollywoodiano, e do filme em particular, até o mercado asiático – olha aí a esperteza ($$$) de novo. Pelo menos lá, Bay consegue criar algumas cenas inventivas, como a luta entre os personagens de Wahlberg e Welliver nos telhados dos apartamentos dos insanos conjuntos habitacionais de Hong Kong. Porém, como tudo neste filme, o terceiro ato se estende além da conta e elementos abobalhados são introduzidos na trama – Optimus Prime se transforma num “rei Artur” robótico e cavalga um “Dino-bot” (?) na batalha final. Em momentos como esse o filme se transforma numa animação, e Bay regride à infância e dirige como se fosse um menino brincando no seu quarto com os bonecos dos Transformers.

No final surge também outra pérola do filme e da cinematografia de Michael Bay, quando o personagem de Wahlberg diz que “certas coisas não deveriam ser inventadas”. É o roteiro fazendo a defesa da ignorância, e mais um momento no qual Michael Bay demonstra não ser tão esperto quanto parecia anteriormente. Afinal, quem ele é? Um péssimo diretor, criador dos maiores excessos hollywoodianos vistos nos últimos anos? O maior representante do declínio do cinema americano como forma narrativa? Ou apenas um cineasta tecnicamente brilhante que ganha a vida dando a uma parte do publico o que ele quer, e ocasionalmente, até realizando alguns bons filmes? Depois de tantas horas de Transformers, uma resposta definitiva ainda parece escapar. Talvez o próprio Michael Bay seja um Transformer, um robô capaz de mudar de aparência dependendo do filme, e às vezes até dentro do mesmo filme.

Nota: 3,0