Já ouvi de tudo sobre Stephen Daldry. Críticas justas e injustas repletas de adjetivos. Acho que o seu nome desperta tanto interesse por ter realizado quatro longas-metragens na carreira, e todos terem sido indicados ao Oscar de melhor filme, tendo Daldry três indicações como melhor diretor.

Acho complicado rotular um artista pelos prêmios que venceu. Sei que posso estar assumindo um olhar romântico, mas quando se faz uma obra de arte, pensa-se em algum tema, assunto, inquietação que despertou a sua sensibilidade, que fez com que você tivesse interesse em desenvolver uma linha de trabalho, pensando em como isso chega ao público, e de que maneira, com que intenção. Depois, bem depois é que se pensa em quantos prêmios vai ganhar, estratégias de marketing, etc.

Bom, indicações ao Oscar à parte, considero Daldry um diretor bastante competente, realizador de filmes de excepcional qualidade. Li críticas duríssimas ao seu trabalho anterior, Tão Forte e Tão Perto (2011). Que era um filme problemático, que forçava a barra para fazer a plateia chorar, que obviamente representava um ponto baixo na carreira do diretor. Não poderia discordar mais. Creio que trata-se de um trabalho sensível, com uma história bastante interessante, muito bem interpretada pelo seu ótimo elenco, que te leva às lágrimas pela potência do que diz, não por artificialismos externos.

Se há um ponto baixo na carreira do diretor, e aqui acredito que não há como refutar tal afirmação, esse é Trash – A Esperança Vem do Lixo (péssimo subtítulo).

Na história, três garotos, Rafael (Eduardo Luis) Gardo (Rickson Tevez) e Rato (Gabriel Weinstein), trabalham num lixão na periferia do Rio de Janeiro, que tem na sua comunidade a presença do padre norte-americano Juilliard (Martin Sheen) e da sua assistente, Olivia (Rooney Mara), que prestam um trabalho social com os moradores do local. Certo dia, os garotos encontram uma carteira cheia de dinheiro, com a identidade de José Ângelo (Wagner Moura), e logo depois a polícia, liderada pelo inescrupuloso Frederico (Selton Mello), aparece oferecendo uma recompensa para quem achar o material, pois nela há informações do interesse de um poderoso deputado. Perseguidos por homens poderosos, os garotos encontram uma mensagem na carteira, e vão fazer de tudo para levarem o recado adiante.

A sequência inicial já nos serve a mesa explicitando como será o jogo que veremos a seguir. Um jogo de gato e rato artificial, com caras e bocas exageradas, e uma suposta visceralidade que esconde um vazio de personalidade. Mesmo com montagem acelerada, trilha onipresente, pessoas correndo, passando com velocidade em caminhos apertados, vemos as informações na tela estando do lado de fora, sem envolvimento, presenciando um espetáculo audiovisual realizado com perícia técnica, mas sem vida.

O ambiente da favela, muito bem construído pela equipe de design de produção, surge sempre como um rico mosaico de cores variadas, trazendo um arco-íris a cada plano, um olhar estrangeiro às favelas cariocas, como se explicitasse que considera aquele lugar pitoresco, como uma espécie de zoológico humano. O olhar também visto em Quem Quer Ser Um Milionário (2009) assume quase um caráter turístico, como se dissesse que apesar de tanta miséria, esse lugar é estranhamente convidativo, com um povo batalhador, sofrido, mas vencedor por, mesmo vivendo em condições financeiras ruins, conseguir encarar a vida com bom humor, sempre com um sorriso no rosto, e pronto pra superar os obstáculos, aquele clichê que já ouvimos tantas vezes.

A estética é tão convencional que lembra as comédias da Globo Filmes, com todo aquele já conhecido olhar de classe alta falando de pobres. É olhar o pobre sem conhecer o pobre, sem saber o que é ser pobre, projetando o pobre no seu universo, que é cheio de cores vivas. Estranho ver um erro tão primário (e irritante) vindo de Daldry, que tratou sobre essa mesma questão em Billy Elliot (2000) com sensibilidade, olhando de dentro.

Se tudo é colorido, com cores quentes, se tudo assume um tom pitoresco, estranhamente convidativo, é claro que as sequências de ação, as perseguições, as relações entre os personagens tornam-se artificiais, nunca representam um perigo real, pois já entendemos desde a primeira cena que o jogo proposto pela direção é o do cinema agradável, do esquecer a realidade, é acreditar que no final o bem vai vencer porque é assim que tem que ser.

O filme só não é um desastre absoluto por causa dos três garotos que fazem os personagens principais. O trio Rickson Tevez, Eduardo Luis e Gabriel Weinstein é a única coisa orgânica no filme, eles são os responsáveis pelo olhar de dentro, pela veracidade que aqui é tão árida, e desempenham seus papeis com ótima desenvoltura. É uma pena que tenham servido a uma trama tão desinteressante com soluções tão fáceis e mal desenvolvidas.

Mas se os garotos se salvam, o mesmo não pode ser dito de Wagner Moura e Selton Mello. Atores experientes, com papeis tão marcantes no cinema brasileiro, aqui parece que desaprenderam, ou que tentaram investir em outro estilo de interpretação que apenas os afastaram do caminho mais árduo, que na maioria das vezes é o mais recompensador. Moura até que tenta trazer organicidade ao seu papel, mas o seu personagem é muito mal desenvolvido, construído de maneira unilateral, um bonzinho convicto, o que resulta numa interpretação exagerada com pouco a dizer.

Já Mello coloca os dois pés na canastronice e cria o típico vilão frio, que fala baixo, tem o olhar fixo, e que é mau porque é mau. Recorre a artifícios fáceis, o que acaba resultando numa construção frágil, um policial frio com a característica voz mansa do ator, fazendo com que seja impossível desassociarmos a figura de Mello com a do personagem, o que depõe contra o seu trabalho.

E o desfecho é tão desastroso que faz com a nossa impressão final seja a pior possível, pois fica claro que o mundo de Trash é disneylandizado, soando quase como um desrespeito às pessoas que vivem essa realidade, e sabem que no mundo real não há tantas cores.