O Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS-SP) acolhe, desde o meio de julho, uma exposição imperdível sobre o cineasta francês François Truffaut. Mais que um dos realizadores chave para se entender e curtir o movimento da Nouvelle Vague no cinema, Truffaut criou filmes extremamente tocantes, que transportam o espectador para seus universos particulares, marcados pela adoração a liberdade, ao feminino, a infância e a cinefilia.

Ainda que milhas e milhas distante da base do Cine Set em Manaus, não era uma opção aceitável perder a exposição no MIS-SP, intitulada “Truffaut: um cineasta apaixonado”. Dessa forma, raspamos as milhas, conferimos tudo e mostramos agora um pouco do que o museu guarda para os cinéfilos nessa temporada.

O primeiro item que chama a atenção já está logo no início do trajeto da visita no museu: a enorme réplica de um rolo de filme na qual vemos fotografias icônicas de Truffaut. Não são poucos os visitantes que tiram foto imitando alguma das poses do diretor para entrar no clima!

Ao adentrar na primeira saleta, o visitante percebe que o seu guia é justamente o tal rolo de filme. Este ora surge no chão, guiando a ordem do percurso, ora sobe pelas paredes, quando passa a abrigar projeções de cenas marcantes dos filmes de Truffaut. Dessa maneira, o visitante é imerso na grande paixão do diretor, que afirmou em inúmeras entrevistas que cinema foi para ele não apenas um ofício, mas uma obsessão.

Nos rolos à altura do chão, o visitante da exposição vê diversos itens, como cartas, anotações de roteiro, prêmios, fotos de divulgação, objetos de cena de vários filmes, dentre outros. Para isso, ele deve consultar um folheto que numera os itens e os descreve. São objetos variados e valiosos, que encantam ao visitante naturalizado com a obra de Truffaut. Ao contrário de outras grandes exposições do MIS-SP, como a do diretor Stanley Kubrick ou o cantor David Bowie, há menos elementos vistosos, mas é justamente isso que faz dessa uma exposição tão singela, voltada a outros “obcecados” como Truffaut.

Dentre os objetos expostos, os roteiros e folhas de anotações do acompanhamento das filmagens dos clássicos de Truffaut causam grande fascínio. Ali se pode tentar viajar um pouco na rotina artística do diretor, no que vemos páginas e páginas de diálogos escritos a mão, como anexos do roteiro, assim como o cuidadoso trabalho de acompanhamento das filmagens e a atenção à continuidade das cenas, dada as inúmeras anotações da assistente de direção Suzanne Schiffman.

A música nos filmes de Truffaut também ganha um cantinho especial na exposição. Além de ganhar “rolos gigantes” nos quais são apresentados discos originais das trilhas sonoras dos filmes, as belas músicas de Georges Delerue podem ser ouvidas ao longo de todo o percurso da visita. A mais tocante, sem dúvida, é a que marca a cena final de “Os Incompreendidos”, que passa em exibição ao longo de toda a sala da exposição, numa série de telas cuja ordenação remete, novamente, à figura do rolo de filme.

Além dos objetos citados, a exposição vai ganhando, ao longo de seu percurso, um caráter mais interativo. O primeiro deles está nas cadeiras dispostas ao longo dos corredores, nas quais o visitante pode se sentar de frente para monitores nos quais surgem mais cenas icônicas de filmes como “Os Incompreendidos”, “Domicílio Conjugal”, “As Duas Inglesas e o Amor”, “Fahrenheit 451” e outros. É colocar os fones de ouvido e se transportar para as obras.

Junto às cenas de filmes, essa seção de “Truffaut: um cineasta apaixonado” também traz depoimentos de artistas sobre o diretor, vídeos de edições passadas do Oscar no qual ele homenageia Alfred Hitchcock e quando ganha o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por “A Noite Americana”, assim como segmentos do áudio da entrevista que Truffaut fez com Hitchcock e que rendeu um livro. Com esses vídeos, a maioria de curta duração, o visitante consegue ter um panorama ágil e divertido de toda a trajetória do francês.

A trajetória de François Truffaut como crítico de cinema e cinéfilo também não poderia falta à exposição. Em dado segmento, vemos itens como carteirinhas de cineclubes, entradas de salas de cinema, gravadores e máquinas de escrever que pertenceram ao diretor, cadernetas de anotações com os filmes que assistia na época, além de um “rolo” especial repleto de edições da Cahiers du Cinéma, revista na qual Truffaut foi um dos principais críticos de cinema.

Os itens interativos vão flertando com o lúdico de forma mais explícita na parte final da visitação de “Truffaut: um cineasta apaixonado”. O mais divertido é a série de cortinas que o visitante tem que atravessar para chegar na saleta com itens relativos ao filme “Jules e Jim – Uma Mulher para Dois”. Nas tais cortinas, é projetada a clássica cena em que os três personagens principais correm ao longo de uma ponte, e o visitante, com o movimento, sente-se parte da cena. Ao final desse percurso, o visitante chega aos itens expostos e a uma grande tela em que se vê a cena na qual Jeanne Moreau canta “Le Tourbillon de la Vie”.

Na reta final da exposição, brincamos com a metáfora do voyeurismo, frequentemente utilizada para descrever a forma de Truffaut expor seus personagens, em especial, os femininos. Num corredor repleto de portas coloridas, o visitante pode brechar pela abertura destinada às cartas ou pelo olho mágico das portas e ver, ali, cenas de filmes diversos, nas quais o olhar dos personagens ou do espectador é guiado a observar o outro, que não tem consciência de que é visto.

Com ingressos entre R$ 16 e R$ 5 reais, a exposição “Truffaut: um cineasta apaixonado”, é um daqueles programas que vale a pena conferir, ainda que seja na loucura de pegar uma promo de passagem aérea para um final de semana. Aos admiradores do diretor e do cinema de arte em geral, a riqueza e cuidado com os detalhes fazem da exposição um momento único. E preparem as milhas, os bolsos e as férias, pois o MIS-SP já confirmou uma exposição dedicada ao diretor Tim Burton para 2016.