Mal “Unicórnio” começa e duas cenas quase semelhantes se sucedem: na primeira, Maria (Bárbara Luz) chega em casa e a câmera se move lentamente do quarto da garota até chegar a ela próxima da janela; pouco depois, é a vez da mãe (Patrícia Pillar) repetir o mesmo processo, desta vez, indo para próximo do fogão, mas, com o movimento indo para dentro do cômodo.

Os dois momentos somados devem chegar a aproximadamente quatro minutos e, em grande parte deles, vemos apenas os cômodos da casa e, ao fundo, o visual deslumbrante, mas, solitário, do local onde vivem com montanhas e campos verdes. Sem diálogos (assim como boa parte da produção), o silêncio é quebrado pela força do vento e dos sons da natureza.

Desta forma, o diretor e roteirista Eduardo Nunes exige algo raro ao público em dias de hipervelocidade: a desaceleração, o subjetivismo acima da objetividade, a contemplação do som, do visual. Não à toa seja uma obra em que a história baseada em dois contos da escritora brasileira Hilda Hilst pouco importa: o foco aqui é na imersão sensorial.

Para tanto, a fotografia de Mauro Pinheiro Jr. é fundamental para esta experiência dar certo. A decisão é filmar no formato 1:3,66, o que amplia os horizontes do que se vê, conseguindo captar o cenário deslumbrante da região do Parque dos Três Picos, em Teresópolis. Ao optar, muitas vezes, por uma profundidade de campo baixa para as cenas com as protagonistas em primeiro plano e a natureza desfocada ao fundo, “Unicórnio” cria uma imagem quase de pintura (no melhor estilo “Com Amor, Van Gogh”), desnorteando o espectador ao não estabelecer tempo ou espaço. É como se aquela história pudesse ocorrer em qualquer lugar e a qualquer momento em um mundo mágico (seria o Éden com sua maçã enigmática?), inclusive, até mesmo no oposto da sala completamente branca onde encontra-se o personagem de Zé Carlos Machado.

Se as imagens trabalham a beleza do local e dos próprios personagens salientado pela frase constante de Maria em relação à mãe (“você está tão bonita”), o som se encarrega de trazer o conflito sensorial e, consequentemente, da protagonista de “Unicórnio”. O vento que provoca o fechar violento das janelas e os barulhos constantes da casa salientam o estado emocional de uma garota descobrindo o desejo sexual aliada um sentimento de posse da mãe como único ponto de segurança no mundo após o abandono do pai.

Este desequilíbrio emocional encontra mais ênfase na atuação do ótimo elenco do que propriamente na atenção dada por Eduardo Nunes aos personagens. Se Patrícia Pilar somente confirma a grande atriz que sempre foi, Bárbara Luz consegue segurar o protagonismo muito bem de uma personagem praticamente silenciosa. Já Zé Carlos Machado, bem, é, sem dúvida, o ator brasileiro mais subestimado da atualidade, afinal, é difícil demais vê-lo errar nos cinemas.

Pena “Unicórnio” ser um filme incapaz de equilibrar os elementos estéticos brilhantes com uma narrativa arrastada e prolongada por demais – os últimos 30 minutos poderiam ser condensados, tranquilamente, pela metade. A falta de apelo emocional com que a narrativa é tratada em detrimento ao sensorial tira do espectador qualquer elo com as figuras até interessantes, mas, mal exploradas da trama. Vindo do drama “Sudoeste”, Eduardo Nunes tem tudo para se tornar um dos grandes cineastas da atualidade do cinema brasileiro, mas, precisa aparar arestas na autoralidade excessiva.