Representante da Espanha no Oscar 2018, Verão 1993 mostra com sensibilidade e primor a complexidade das relações familiares e da condição humana de finitude sob o olhar ingênuo da protagonista. O drama autobiográfico é dirigido e roteirizado pela estreante Carla Simón, que mostra à que veio em um filme muito bem executado.

A produção catalã narra a jornada emocional de Frida, seis anos de idade, que após a perda da mãe para o vírus da AIDS, é enviada para a casa do tio onde começa a viver com ele e sua família, no interior da Catalunha dos anos 90. Sem entender exatamente o que aconteceu e tentando assimilar o mundo adulto a sua volta, a garotinha tem dificuldade em se adaptar à sua nova realidade sem os pais em um lugar novo.

Acostumada com a rotina firmada em Barcelona, a nova casa é um mundo estranho a ela. Sentindo-se deslocada e rejeitada pela nova família, Frida transfere para a prima mais nova as frustrações causadas pelos recentes eventos em sua vida.

O desenvolvimento do filme é dominado pelo olhar infantil da protagonista, a sensação que se tem é de estar dentro dos olhos da menina. A audiência observa com sutileza, porém intimidade o que está ao redor de Frida, bem como tudo aquilo que a criança tenta enxergar, pois há livre acesso para fazer parte da mente dela. Com uma abordagem realista sem sentimentalismo exagerado, são explorados os diversos sentimentos e suas tentativas de compreensão em lidar com seu sofrimento, além da confusão e inocência em descobrir o porquê e o que causou a morte da mãe. Poucos filmes retratam a infância com tanta honestidade.

A trama constrói por meio das ações cotidianas, a reação e relação da menina com a perda precoce. Sob a visão infantil de Frida, o espectador acompanha a desconstrução das fases do luto, aqui não aparece de forma linear, e a reconstrução da vida pós-morte. Com uma narrativa lenta e contemplativa, sem grandes acontecimentos ou sentimentalismos, o enredo segue momentos triviais na vida da nova família na construção da relação entre eles. Brincadeiras entre as crianças, a hora do jantar e as visitas dos avós, todos os momentos corriqueiros que passam despercebidos pelos grandes filmes do cinema comercial, aqui é o verdadeiro protagonista. A cineasta foi extremamente bem-sucedida na realização do longa-metragem, com total atenção aos pormenores para dar luz a um tema difícil.

É incrível como a espanhola dá leveza a um momento tão obscuro na existência humana. Embora a trama preguiçosa possa soar maçante, a sequência cativa e prende. Aqui o tempo passa mais devagar, quase como se esse fosse palpável. A diretora mostra domínio narrativo e de tempo na criação da obra. Por vezes tem-se a sensação de ser um stalker observando os dias da família

O elenco no geral se apresenta muito bem, contudo é o desempenho excepcional de Laia Artigas, no papel de Frida, o ponto alto. A atriz parece completamente adaptada ao personagem, exibindo maturidade na performance mesmo com a pouca idade. As sequências são naturais e os personagens se relacionam bem, principalmente as crianças. Todos os núcleos se encaixam e desenvolvem seus plots sem sobras.

A cena final é uma redenção. De uma emoção incrível, vê-se Frida finalmente externar tudo aquilo que desde o início parecia preso dentro da garotinha. Com um choro repentino e aparentemente sem razão em meio a um momento de descontração da família, o filme mostra a dor antes escondida e internalizada agora completamente exposta. Como uma epifania, a menina enfim entende o que aconteceu. Frida, então, está livre para seguir em frente. Para continuar a vida interrompida pela morte dos pais.

De caráter autobiográfico, a cineasta desbrava suas próprias memórias de perda e faz uma autorreflexão corajosa da sua história, expondo sem pudor sua vida ao espectador. Carla Simón consegue empregar à sua experiência pessoal a universalidade inerente ao tema.

“Verão 1993” é uma bela surpresa. O filme construído sob um tema complexo e emocional, usa uma narrativa simples (quase banal) e sem apelo para desenvolver sua proposta. E faz isso muito bem. O longa de estreia da diretora catalã (e que estreia!), recebeu o prêmio na categoria de Best First Feature no Festival de Berlim 2017. É um retrato sensível do processo de superação da morte sob os olhos de uma criança, os dela. O longa foi com certeza a escolha acertada como representante espanhol na premiação americana.