O que é “Visages Villages”? Um tributo à arte de rua? Uma homenagem ao poder da fotografia? Uma elegia à memória? Como na vida, o novo projeto co-dirigido por Agnès Varda (curiosidade: se lê “Ánhês”) é várias coisas ao mesmo tempo e desafia fácil caracterização.

Comecemos pelo mais fácil: “Visages Villages” é um filme, mais especificamente, um documentário, que ganhou o Olho de Ouro deste ano no Festival de Cannes. Ele é realizado pela cineasta belga, uma das mais importantes figuras do cinema europeu e vencedora da Palma de Ouro Honorária pelo conjunto da obra em 2015 (a única mulher a ter essa honra até hoje), em conjunto com o artista multimídia JR, que se juntam para desenvolver e registrar trabalhos fotográficos no interior da França.

À primeira vista, o filme toma a forma de um road movie, em que seguimos Agnès e JR em suas expedições, com direito a personagens memoráveis. Uma das primeiras, uma senhora que é a última moradora de uma rua de antigos mineiros, estabelece muito do tom do longa e da sua proposta em ser um material revisionista da memória.

Fotos são, em essência, um registro de um tempo ou de uma presença, e é na entrevista com seus objetos, que os artistas descobrem o que registrar e enaltecer através de murais em construções: basicamente, o projeto tira fotografias e as cola, em dimensões imensas, em muros, tornando-as parte de um projeto de arte urbana que expande a memória individual ou coletiva dos sujeitos para a dimensão de algo mais universal, visto por todos.

É difícil falar de imortalidade no contexto de obra urbana, pois a arte está exposta e sujeita a toda e qualquer ação do mundo exterior, algo do qual a sequência em que Agnès e JR tentam colar uma foto em uma superfície atacada pelas marés da França deixa muito claro. O que fica são os sentimentos associados às imagens, algo do qual os realizadores, em especial Agnès, abraçam com vigor.

A memória da cineasta provê muito do fio condutor do filme, que faz pleno uso do fato de saber que é um filme para brindar o público com cortes ousados, brilhantes e até engraçados. Ao mesmo tempo em que expõe o fato de que cada cena vista foi esmiuçada detalhadamente durante a produção para estar ali, há um senso de leveza e de uma interação doce entre os artistas que foi um frescor de ver em meio ao excesso de cinismo e sobriedade dos outros longas do Festival de Cannes.

Em meio às lembranças, Agnès aproveita para encher o filme com os ensinamentos que ouviríamos de uma avó num sábado à tarde, mostrando como lida com a sua doença ocular, com o passar do tempo e as lições da vida. Em um momento inspirado, quando conversavam sobre trabalhos de iniciantes, ela reflete: “Não há nada de feio em inícios”.

É interessante que se fale em inícios, quando o mundo do cinema especula se esse será o último filme de Varda, considerando sua idade e condição clínica, porém, se levarmos esse filme em consideração, ela é, com 88 anos, uma das cineastas mais enérgicas não só de sua geração, mas de todas as gerações, disposta a fazer perguntas relevantes em seus filmes sem esquecer de si mesma. Ao final da projeção, você pode se perguntar novamente: O que é “Visages Villages”? E depois, sugiro outra questão: Isso importa?