Às vezes eu acho que sou o único ser humano que acha Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme (2010) melhor que seu predecessor, Wall Street: Poder e Cobiça (1987). A sequência do famoso filme oitentista do diretor Oliver Stone não encontrou uma recepção tão boa por parte da crítica e do publico, mas para mim é um ótimo filme e superior ao original em quase todos os aspectos.

Os dois Wall Street representam momentos diferentes na carreira de Oliver Stone. O primeiro foi lançado quando ele estava no auge dos seus poderes e havia acabado de ganhar o Oscar de Melhor Diretor por Platoon (1986), que também venceu como Melhor Filme. Como Platoon, Wall Street era parcialmente baseado nas lembranças e na vida do próprio Stone – seu pai havia trabalhado por anos como corretor da Bolsa de Valores. Stone criou um conto moral sobre um jovem que conhece a voracidade do capitalismo americano dos anos 1980 e se corrompe, mas eventualmente acaba fazendo a coisa certa. Esse jovem era Bud Fox, interpretado por Charlie Sheen, e a encarnação do capitalismo era o inescrupuloso Gordon Gekko, interpretado por um Michael Douglas que soube se divertir com seu personagem tão mau-caráter – e de quebra, ganhou o Oscar de Melhor Ator pelo trabalho.

Já o segundo Wall Street – até hoje, a única sequência que Stone dirigiu – veio com o diretor já meio em baixa e após trabalhos que nem de longe alcançaram a repercussão que seus filmes tinham nos anos 1980 e 1990. Ele até havia lançado uma verdadeira bomba alguns anos antes, seu embaraçoso épico Alexandre (2004).

Por um bom tempo Stone e Douglas manifestaram interesse em fazer um novo Wall Street, mas nunca havia passado disso. Até que em 2008 houve a crise econômica americana. Stone, um verdadeiro cronista da história do seu país por toda a sua carreira, não poderia deixar isso passar e resolveu voltar àquele universo.

Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme se inicia pouco antes dessa crise, com Gordon Gekko sendo libertado da prisão, onde passou alguns anos – o final do primeiro Wall Street já indicava que ele seria preso e punido por seus atos. Ninguém o recebe na saída da cadeia. O guarda lhe entrega os seus velhos pertences, e entre eles está um ENORME telefone celular dos anos 1980, maior que um tijolo e provavelmente mais pesado também.

Mas ele não ficará parado. Gekko volta a viver no mundo que o deixou para trás e logo começa a divulgar seu livro. Porém, como um velho lobo – e ele parece mesmo um lobo, Douglas usa seu cabelo grisalho e um terno cinza para criar essa aparência marcante – ele compreende imediatamente esse mundo e para onde a economia americana está se dirigindo. Na sua palestra ele diz algumas coisas bem interessantes. Seu lema do primeiro filme, “A ganância é boa”, parece ter sido incorporada não apenas pelos jovens corretores de Wall Street, mas por toda a sociedade.

Na plateia está o jovem Jake Moore (Shia LaBoeuf). Jake é namorado da filha de Gekko, Winnie (Carrie Mulligan) e ficou devastado pela morte do seu mentor, Zabel (Frank Langella). O banco administrado por Zabel foi à falência e isso o levou ao suicídio. Todo o processo foi orquestrado por Bretton James (Josh Brolin), um poderoso operador de Wall Street, e agora Jake quer vingança. Gekko concorda em ajuda-lo, desde que o rapaz o ajude a se reaproximar de Winnie. E tem início um jogo onde os dois homens nunca podem confiar inteiramente um no outro.

O segundo Wall Street é um filme bem mais complexo que o primeiro. Os personagens são moralmente ambíguos e o filme não se limita a replicar a dinâmica “mestre-e-pupilo” do original. Além disso, Stone não perde de vista a evolução da sociedade e do capitalismo nos 23 anos que separam um filme do outro. O culto ao materialismo parece ter se intensificado nesse tempo, pois toda a sociedade parece intoxicada pelo desejo por lucro – a mãe do personagem de LaBoeuf, vivida por Susan Sarandon, gasta o que não pode e se arrisca na especulação imobiliária que ajudou a deflagrar a crise de 2008. Obviamente, esse processo não poderia durar por muito tempo e um dia a “bolha” estouraria. A metáfora visual da bolha é precisa, e a comparação entre o capitalismo e a evolução da Terra, com seus ciclos de extinção e renascimento, é uma poderosa alegoria dentro do filme. Além disso, temais atuais como o papel das fontes de energia alternativas (novas bolhas?) e da imprensa alternativa têm destaque na narrativa.

E como os personagens têm as suas motivações, o filme evita o maniqueísmo que vez outra se percebia no original. No primeiro Bud Fox se via dividido entre Gordon Gekko e seu pai, um homem totalmente integro interpretado por Martin Sheen – pai de Charlie na vida real – e a disputa entre bem e mal era clara. O primeiro Wall Street ainda era prejudicado pelas atuações apagadas de Charlie Sheen e de Daryl Hannah como sua namorada-troféu. Já o segundo tem um elenco bem superior e todos os atores estão bem nos seus papeis.

Douglas se mostra especialmente bem no filme e é um prazer vê-lo retornar ao papel. No primeiro Wall Street, é a atuação precisa e magnética dele que faz de Gekko um vilão carismático – mas ainda assim, lá ele é um vilão, um tipo raso. Aliás, tanto Douglas quanto Stone nunca se mostraram à vontade com a idolatria ao personagem. Eles fizeram de Gekko um símbolo de tudo que estava errado com a sociedade americana da época e seu sonho de enriquecimento a todo custo. Porém, num exemplo de como a obra de arte pode ser interpretada de diferentes formas pelo publico, Gekko virou ídolo de milhões de pessoas e dos corretores da verdadeira Wall Street. Virou um daqueles vilões que o publico adora. Qualquer garoto que chegou a trabalhar como corretor, e aspirou a se tornar um dos “mestres do universo” nestas últimas décadas, sabe recitar o discurso “A ganância é boa” de cor.

É no segundo longa que vemos um desenvolvimento e um amadurecimento para ele. Muita gente parece rejeitar a “redenção” dele ao final. Porém, essa redenção é bem construída ao longo da história. A tocante cena dele com a filha e o seu surpreendente novo mantra – “o bem mais precioso da vida é o tempo” – plantam no espectador a semente da ideia de que, de alguma forma, Gekko foi modificado pela sua estadia na prisão e por ter perdido muitas coisas em decorrência disso.

Ao fazer o inescrupuloso Gekko se transformar, Stone e Douglas efetivamente renegam a cultura da riqueza desacompanhada de uma ética e de um crescimento pessoal, tão disseminada nos Estados Unidos e no mundo. Em suma, renegam toda a glorificação que o personagem experimentou no decorrer das décadas. Assim, esse segundo Wall Street é um filme bem mais seguro do que quer dizer do que o original.

Porém, continuações tardias são sempre complicadas, e poucas são as que deram certo e foram bem recebidas pelo publico. Mesmo assim, o segundo Wall Street se justifica e se sustenta por si mesmo. Assim como o seu predecessor, é um filme do seu tempo, uma radiografia da ganância e do sistema que gerou a terrível crise de 2008. Figuras como o fictício Bretton James ou o real Bernie Madoff hoje fazem coisas que deixam os excessos dos anos 1980 parecendo brincadeira de criança. Mas há esperança: Oliver Stone encontra na sua história espaço para transformações benéficas, se não tanto nas instituições, pelo menos nas pessoas. De vez em quando, Stone é um otimista.