Nos primeiros segundos de “Whiplash – Em Busca da Perfeição”, somos convidados a passear pelo corredor de um frio e nada acolhedor conservatório de música. Ao fundo, uma incessante bateria tocada por um jovem que ainda não conhecemos, mas que, nos próximos 100 minutos, vai ser alvo de nossa torcida, pena e até revolta. Não demora muito e já somos apresentados ao antagonista da história. É um momento rápido, raivoso e intenso. Como todo o filme.

Segundo longa-metragem de Damien Chazelle, “Whiplash” conta a história de Andrew (Miles Teller), um jovem estudante de um famoso conservatório de música que busca realizar o sonho de se tornar um grande baterista de jazz. Para isso, ele precisa atrair a atenção – e, quem sabe, a admiração – do professor e maestro Fletcher (J.K. Simmons).

whiplash em busca da perfeição j.k simmonsCom apenas 29 anos, Chazelle mostra o talento e o know how de um veterano ao conduzir o filme com um ritmo raivoso – se algum filme merecia um subtítulo cretino do estilo “Som e Fúria” no Brasil, seria esse. Em “Whiplash”, o jazz não é elegante; é mais sangrento e barulhento que um show de heavy metal. E não estou falando apenas das mãos sangrentas de Andrew ao final de cada sessão de bateria.

Visceral até não poder mais, “Whiplash” nos deixa na ponta da cadeira a cada apresentação de Andrew. E isso não se deve apenas aos talentos de Teller e Simmons. A mixagem de som e a montagem do filme são frenéticas e parecem seguir cada batida saída das baquetas do personagem principal. São tantos os momentos onde esses dois aspectos brilham, mas escolho dois: a preparação dos músicos antes da primeira aula de Andrew com Fletcher e o solo de bateria de quase dez minutos de Teller (que toca o instrumento desde os 15 anos e, ainda assim, passou por preparação intensa para viver o personagem). Outro componente importante no som de um filme, o silêncio aqui também é muito bem usado, em um dos momentos de maior angústia da produção (não vou dar spoilers).

Inclusive, é a entrega do jovem ator que nos faz ter tanta empatia por Andrew, mesmo quando deveríamos dar uns cascudos nele e dizer para ele não ser tão banana. Contraponto do protagonista – até mesmo nas roupas, sempre impecáveis, enquanto as do jovem músico ficam até rasgadas de tanto tocar -, Simmons cria um tipo ambíguo, um homem que não sabemos até onde vai e por que faz o que faz e da maneira que faz. Nem de longe, parece ser o adorável e compreensível pai da adolescente grávida em “Juno”. Com a composição de Simmons, Fletcher faz a Miranda Priestley de Meryl Streep parecer a melhor amiga da vizinhança. O Oscar que o ator veterano deve levar no próximo dia 22 de fevereiro será mais do que merecido.

Falando nisso, ponto para o roteiro, que não lança mão de sentimentalismos e nos engana até quando pensamos que sabemos aonde a história vai dar. Até o romance de Andrew é um aspecto interessante, já que é uma espécie de reflexão de cada momento vivido por ele sentado na bateria (início do romance, brigas etc). A única coisa desnecessária é a presença de letreiros indicando espaço e tempo – a direção de arte e os figurinos falam por si só.

Baseado em um curta do próprio Chazelle, “Whiplash” foi produzido em apenas 19 dias e finalizado em menos de dez semanas. Olhando de longe, parece ser uma receita para o fracasso. No entanto, vimos o contrário: um filme despretensioso, denso sem ser enfadonho e urgente, urgente como os gritos do professor e as mãos sangrentas do aluno.