Ah, os Estados Unidos, terra da liberdade e da oportunidade… E também de várias histórias bizarras e malucas que realmente expõem o país pelo que ele é. O “caldeirão cultural” norte-americano, a terra que acolhe imigrantes de todas as etnias e religiões, e foi até construída por eles, muitas vezes se revela um poço sem fundo de preconceito. E muitas vezes, esses imigrantes se deixam levar pelos sonhos de grandeza, poder e riqueza (lícita ou ilícita) que a sociedade norte-americana acaba estimulando. Quando as duas coisas se aliam, o resultado quase sempre é uma daquelas histórias estranhíssimas, e curiosamente envolventes, que despertam a nossa incredulidade.

Em diversos momentos da minissérie documental Wild Wild Country, da Netflix, ficamos impressionados, dizendo para nós mesmos “Nossa, isso é muito estranho!”; ou “Não acredito que isso aconteceu mesmo!”. Aliás, essas produções de documentário em longa duração que a Netflix vem oferecendo estão se revelando como algumas das melhores realizações do seu catálogo: Wild Wild Country, que é dirigida pelos irmãos Maclain e Chapman Way e produzida pelos irmãos Mark e Jay Duplass, conhecidos produtores e atores do cinema independente americano, vem para seguir os passos de Making a Murderer de 2016 e The Keepers de 2017.

Embora seja um pouco inferior a essas duas produções anteriores, em Wild Wild Country, os irmãos Way criam um retrato abrangente sobre um evento hoje meio esquecido, mas que ainda impressiona pela abrangência e, bem, pela pura maluquice envolvida. No começo dos anos 1980, o guru indiano Baghwan Shree Rajneesh, também conhecido como Osho, comprou uma vasta extensão de terra nos Estados Unidos e mudou toda a sua seita para a vizinhança de Antelope, Oregon, uma cidadezinha minúscula onde basicamente só viviam aposentados, com o objetivo de construir uma comunidade utópica. O estranhamento, porém, foi imediato, e os cidadãos da época, hoje já velhinhos, falam sem pudor sobre seu desgosto pelos discípulos de Rajneesh, que só se vestiam de vermelho ou roxo, usavam drogas e faziam sexo ao ar livre.

O estranhamento só aumentou quando a seita comprou a cidade, rebatizou-a de Rajneeshpuram, e começou a se armar… O Baghwan também não era do tipo de líder espiritual que pregava o desapego aos bens materiais: ele tinha jatinhos e uma frota de carros Rolls Royce. Mas a personagem mais forte e interessante do documentário é o braço direito dele, sua assistente na época, Ma Anand Sheela. Nas suas entrevistas gravadas na atualidade, Sheela aparenta uma velhinha esperta e com cara de sapeca; mas no passado ela foi acusada de cometer crimes graves enquanto efetivamente comandava a seita, como desvio de dinheiro e até tentativas de assassinato.

Ao longo dos 6 episódios, que duram cerca de uma hora cada um, a série conta em detalhes todo o rolo envolvendo Baghwan, Sheela e vários outros personagens, e alguns momentos realmente parece desafiar o espectador a crer na sanidade da maioria dos envolvidos. E algumas coisas ficam claras. Esta é uma história sobre a força do fanatismo, sem dúvida, mas por outro lado a comunidade que viveu e prosperou pela primeira metade dos anos 1980 parecia realmente algo especial. Imagens de arquivo oriundas de velhas fitas VHS e noticiários da época demonstram como o lugar era gigantesco e sustentável, um enclave do ideal hippie dos anos 1960 no meio do interiorzão norte-americano da era Reagan. O tom do sexto episódio é quase o de uma elegia pelo lugar e o rumo que as coisas tomaram.

A outra coisa que se torna explicitada pelo documentário é o preconceito americano. Claro, os discípulos da seita fizeram muitas coisas, no mínimo, estranhas – e o ponto fraco da minissérie é justamente não ser mais incisiva quanto aos próprios entrevistados, ao final ficamos com dúvidas a respeito do que Sheela e alguns dos outros fizeram, com os diretores deixando “pontas soltas” na narrativa, aparentemente por causa da sua reticência em pegar mais pesado com aquelas pessoas. Ao mesmo tempo, é inegável que a seita foi vítima de preconceito e até perseguição por parte da população da cidade e das próprias autoridades do governo. Uma cidadã, em gravação da época, afirma com todas as letras que “não há lugar nos EUA para essas pessoas”, o que resume uma atitude bem distante do discurso de “acolhimento das massas” que atrai tantos ao país.

Para contar a história, os irmãos Way lançam mão até de algumas animações discretas e plasticamente bonitas e uma trilha sonora meio de suspense que ajuda a prender atenção. Wild Wild Country, pelo tema e seus atrativos visuais, é uma minissérie a que se assiste com facilidade – embora, de novo, peque por não explicar com clareza alguns fatos que precisavam ser explicados. Seu maior mérito é usar essa facilidade para nos relembrar de um evento histórico com uma visão crítica e refletir sobre o país. Um país contraditório que nunca deixa de surpreender: por um lado é a terra da liberdade; por outro é um lugar muito intolerante e, por que não, muito bizarro, o único lugar do mundo onde essa história poderia ter acontecido. E olha que, de bizarrice, nós brasileiros entendemos bastante…