Existem basicamente dois tipos de filmes baseados em super-heróis dos quadrinhos. O primeiro é aquele que se deixa contaminar pelas incoerências e absurdos do seu material-fonte e não leva sua história a sério. O segundo tipo tenta injetar um pouco de profundidade na sua história e leva a sério seus personagens e seu universo mitológico. Os melhores momentos de Wolverine: Imortal deixam claro de que se trata de um filme pertencente ao segundo tipo.

Este filme marca a sexta vez que o ator Hugh Jackman interpreta o protagonista, um recorde: nunca um intérprete passou tanto tempo ligado a um super-herói quanto ele. Na trilogia original dos X-Men, heróis cujos poderes derivam de mutações genéticas, o Wolverine era o tipo misterioso e carismático, o clássico “herói de poucas palavras”, mas com garras e um esqueleto indestrutível. No seu primeiro filme solo, o bagunçado e equivocado X-Men Origens: Wolverine (2009), o espectador pôde descobrir como o personagem surgiu. E depois Jackman voltou ao papel numa ponta no melhor filme da franquia, o ótimo X-Men: Primeira Classe (2011).

O início deste novo filme solo do Wolverine é engenhoso. É o fim da Segunda Guerra Mundial, e o mutante salva a vida do soldado japonês Yashida (Haruhiko Yamanouchi) do bombardeio atômico em Nagasaki. Então a história dá um salto, para algum tempo depois do final de X-Men: O Confronto Final (2006). Agora o herói vive recluso, atormentado por ter matado sua amada Jean Grey (Famke Janssen), que aparece para ele em sonhos. Escondido nas montanhas, ele só é conhecido pelo seu nome, Logan.

No entanto, ele é encontrado pela jovem Yukio (Rila Fukushima) e levado ao Japão, onde Yashida, agora um milionário idoso, está à beira da morte. Yashida deseja usar o poder regenerativo de Logan para se curar. Porém a máfia japonesa, a Yakuza, tem planos de matar a neta de Yashida, a bela Mariko (Tao Okamoto), e o mutante logo se verá perseguido e sem poder contar com seu fator de cura para sobreviver.

O novo filme tenta fazer coisas novas com o personagem. Primeiro, o roteiro de Mark Bomback e Scott Frank remove em grande parte o poder do herói que o torna praticamente imortal, e isso traz um pouco de tensão à narrativa. Porém, o maior mérito do roteiro é o de humanizar o protagonista como nunca se havia feito antes. Este filme realmente se preocupa em explicar quem é o Wolverine e os principais dilemas do personagem: ao longo de sua vida viu muitos dos seus amigos e entes queridos morrerem sem poder fazer o mesmo; no seu interior há uma selvageria a qual ele tenta manter sob controle, mas nem sempre consegue.

Por isso, não deixa de ser revigorante ver a condução segura do cineasta James Mangold, diretor do filme, e perceber a sua disposição de fazer quase um “estudo de personagem”. Mangold, vale lembrar, é um daqueles cineastas-operários que já fez praticamente de tudo – suspense, comédia romântica, drama biográfico, faroeste – e geralmente com competência. O diretor encena bem a ação, com destaque para a luta em cima do trem-bala, e se apoia principalmente no carisma de Jackman para contar a história. A esta altura, o ator já é praticamente dono do seu personagem, capaz de ser intenso e perigoso, mas também engraçado e em alguns momentos, até romântico. Wolverine fez de Jackman um dos maiores astros de cinema do mundo, e será difícil imaginar um novo intérprete para o personagem quando ele finalmente “pendurar as garras”. Além de Jackman, a ótima Rila Fukushima chama a atenção como Yukio.

Apesar dessas qualidades, não deixa de ser uma pena que esse mesmo roteiro, tão disposto a examinar seu protagonista, seja falho em outros aspectos. Fora Wolverine e, em certa medida, Yukio, os demais personagens são todos indefinidos e sem personalidade. A produção abusa dos diálogos expositivos: quantas vezes alguém teve de explicar suas motivações bem explicadinhas para o espectador? A vilã Víbora (Svetlana Khodchenkova) é simplesmente bizarra demais e algumas revelações do ato final podem ser adivinhadas com vários minutos de antecedência.

Wolverine: Imortal não chega perto do nível de outros exemplares da franquia X-Men, mas é uma produção competente e obviamente representa um grande avanço em relação ao malfadado Origens. Suas maiores qualidades são a sua disposição (muitas vezes bem sucedida) de explorar o lado psicológico do seu protagonista, e a sua confiança, grande o suficiente para fazer com que o longa represente um capítulo praticamente autocontido dentro da mitologia cinematográfica dos X-Men – assistir aos anteriores não é realmente necessário para apreciá-lo. O diretor James Mangold fez deste longa um curioso híbrido, um cruzamento entre filme oriental de artes marciais e filme de super-herói ocidental. É um mutante cinematográfico, com problemas mas ainda assim interessante – como o Wolverine.

Observação: Há uma cena durante os créditos finais, um momento simplesmente imperdível…

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