Zeudi Souza, idade não revelada, investe no mundo do audiovisual desde 2004, quando participou do primeiro Amazonas Film Festival. Desde então, já trabalhou em mais de vinte curtametragens nas mais diversas funções, como preparador de elenco, fotógrafo, roteirista e diretor. Dois trabalhos seus de destaque são Perdido, vencedor do prêmio de melhor curtametragem local do Amazonas Film Festival 2010, e Vivaldão: O Colosso do Norte, sobre a relação afetiva de pessoas ligadas ao antigo estádio Vivaldão, que estreou no II Cinefoot, no Rio de Janeiro, em 2011.

Formado em administração e estudante de teatro, o realizador participa das articulações políticas do audiovisual manauara. Ele é figura recorrente nos debates da área, onde costuma participar com posicionamentos e propostas. Zeudi também é conhecido por suas ideias a respeito do audiovisual baré. Por exemplo, ele critica quem “faz um filme de um minuto e já se diz cineasta” e afirma que o Amazonas Film Festival precisa valorizar mais a produção local.

A nossa conversa aconteceu no Bar do Armando, o coração da boemia manauara. A mística do lugar e talvez a cerveja inspiraram Zeudi, que falou sobre o cinema, a vida, o universo e tudo mais, como você poderá conferir a seguir.

Cine Set – Como começou o seu interesse pelo cinema?

Zeudi Souza – Começou quando eu tinha 15 anos e estudava na Escola Castelo Branco, no São Jorge. Os filmes eram um universo que eu não conhecia e que viraram uma maneira de eu me autodescobrir. Para se ter ideia do meu interesse, eu vendia água pelo bairro para poder ir ao cinema.

Naquele tempo, eu tinha um amigo chamado Valderlan, que era dono de uma videolocadora. Eu “pentelhava” ele para conseguir filmes. Assistia de quatro a cinco por fim-de-semana. Daí, peguei curiosidade para saber mais sobre cinema.

Em 2003, li uma reportagem em que Ísis Negreiros falava sobre um festival ou uma produção, não me recordo bem. O importante daquela matéria, para mim, foi ter me despertado. Pensei: “se faz cinema aqui”. No ano seguinte, surgiu o Amazonas Film Festival (AFF). Para mim, ele era o primeiro festival de cinema de Manaus. Não sabia que existia o Um Amazonas, por exemplo. Depois de muita insistência, consegui entrar na oficina “Film Business”. Nela, tive contato com profissionais de várias áreas. Aquilo mudou a minha ideia sobre cinema. Pensava que fazer filmes era “brincadeira”, que se podia fazê-los com facilidade, na base do “vai que dá”.

Depois, fiquei seis meses sem esse tipo de contato com o cinema. Naquele tempo, eu trabalhava em uma lan-house. Lá, certo dia, um rapaz pediu para eu copiar os filmes dele. Ele também me disse que o Júnior Rodrigues estava fazendo uma oficina sobre audiovisual pela Secretaria de Cultura (SEC). Me inscrevi nela. Estudei com o Júnior por seis anos. Foi uma experiência notável.

No Film Festival de 2005, tive mais liberdades, porque era aluno da SEC. A partir de então, participo ativamente do movimento audiovisual de Manaus com muita persistência, sempre buscando conhecimentos.

Cine Set – Por favor, conte um pouco sobre os processos do “Perdido” e do “Colosso do Norte”.

Zeudi – Sou amigo de Claudilene Siqueira, Bruno Silva e Eliana Andrade. Certo dia, fomos passear na Vila Paraíso, no Tarumã. À noite, caiu uma forte chuva. Durante ela, o Bruno perguntou: “e se um cara se perdesse no meio da floresta com essa chuva?”. Fiquei com aquilo em mente. Resolvi, então, escrever um roteiro, às uma da manhã. Quando amanheceu, eu tinha fechado a história do “Perdido”.

Sabia que a dupla de protagonistas deveria ser a Aline Guedes e o Antonio Carlos Junior. Com a Aline, minha amiga, atuei na peça “As Virgens de Cantagalo”, com a qual conquistamos o segundo lugar do 1o. Festival Breves Cenas de Teatro, em 2009. O Antonio Carlos eu tinha visto na peça “Ainda Ontem”, destaque do Festival de Teatro da Amazônia de 2009. Fiquei fascinado com sua desenvoltura e poder de convencimento. Ele é amigo da Eliana, que fez contato com ele, que topou entrar no projeto.

Filmamos “Perdido” por dois dias, com recursos próprios e com problemas na produção. A Keila Serruya editou o curta, e Castro Junior o finalizou. Quando vimos o resultado final, ficamos surpreendidos. O Oscar Ramos, um grande artista amazonense, me disse que passou a existir um novo Zeudi depois do curta.

“Perdido” ganhou o prêmio de melhor curta local no AFF de 2010 e ficou em segundo lugar em um festival de cinema universitário do Mato Grosso. Nós da produção decidimos colocá-lo no YouTube logo depois desses festivais.

“Vivaldão: O Colosso do Norte” começou a ser produzido um pouco antes do “Perdido”. A ideia para ele surgiu em 2008, quando trabalhei no “Edson Piola, O Craque da Bola”. O documentário fala sobre um jogador de futebol amazonense dos anos 1950 e, também, sobre o forte movimento futebolístico da nossa cidade na época. Durante uma gravação aérea do Vivaldão, antes de Manaus ser eleita subssede da Copa de 2014, eu me questionei por que eu, manauara, nunca tinha entrado lá.

Queria contar a história e o sentimento das pessoas que tinham uma relação afetiva com o estádio. Com esse meu argumento, o artista Roberto Rogger fez o roteiro. Em seguida, mandamos pro Proarte, o edital de fomento da SEC. Fomos aprovados em 2009 e começamos as filmagens em 2010. Entrevistamos gente como Arnaldo Santos, Ariovaldo Malízia e Carlos Zamith. A entrevista mais curiosa foi com o arquiteto do estádio, Severiano Mário Porto. Negociamos a entrevista com a sua mulher, dona Gilda, porque ele já tinha quadro inicial do Mal de Alzheimer. Depois de seis meses, conseguimos o “ok” da dona Gilda e fomos ao Rio de Janeiro, onde eles moram. A entrevista foi difícil por causa da doença. Ele não conseguia manter uma raciocínio lógico. Mesmo com a intervenção da dona Gilda na hora da entrevista, tivemos dificuldades na hora da edição.

Temos material que renderia um longa. Por motivos contratuais com o Proarte, fizemos um curta. O documentário tem um tom de despedida, já que o Vivaldão não existe mais. Falando nisso, não concordo com a sua demolição. O estádio tinha uma significação simbólica muito forte. Ele remete a um tempo que trinta mil pessoas iam assistir a um Rio-Nal e também mostra, por ter registrada na sua história uma loteria que vendia cotações para ajudar na sua construção, que o povo unido consegue alcançar grandes objetivos.

Cine Set – Em 2012, você estudou por um mês na Escuela Internacional de Cine y Televisión (EICTV), na cidade cubana de San Antonio de los Baños. Como foi a experiência?

Zeudi – Fui estudar direção cênica entre outubro e novembro do ano passado. A experiência foi uma divisora de águas na minha vida. Lá, eu respirei cinema vinte quatro horas por dia, sete dias por semana. Tive contato com pessoas que buscam incessantemente a bagagem intelectual para entender os mecanismos do cinema. Em Cuba, vi que tenho muita coisa para aprender e que não sou cineasta. Se você me chamar disso, vou ficar com vergonha. Na verdade, sou um realizador, um experimentador, audiovisual. Ainda tenho um longo caminho pela frente.

Sou crítico a pessoas que fazem um filme de um minuto e já se dizem cineastas. Isso dá pena. Por causa de gente como elas, a palavra “cineasta” está banalizada. Para se chegar ao ponto de gente como Spielberg, Tarantino e Terrence Malick, você precisa conhecer todas as frentes da imagem, você precisa conhecer o “espírito do cinema”. Falta estudo para esses que se dizem cineastas, porque piadinhas pífias filmadas não são cinema, e sim produções pobres. Precisa-se ter respeito para com o cinema, que não é uma arte para medíocres.

Em contraposição, admiro gente que vai atrás de conhecimento. Por exemplo, o Aldemar Matias está estudando em Cuba, enquanto o Rafael Ramos foi fazer cursos em São Paulo. A Keila Serruya é outra que estuda muito, que respeita essa arte que escolhemos para seguir. Você vê toda uma preocupação com a estética, roteiro e linguagem nas produções dela.

Cine Set – Na sua opinião, em que o Amazonas Film Festival é bom e onde ele precisa melhorar?

Zeudi – Tenho uma realização pessoal com ele. Afinal de contas, sou um filho do Film Festival. O evento também é uma boa oportunidade para nós fazermos networking com outros profissionais. Ele também tem putas oficinas.

Penso que ele pode olhar melhor para o artista amazonense e, também, rever os valores dos editais. No último oito de março, na reunião da SEC com os artistas do audiovisual, houve uma sinalização de que esses valores vão ser revistos.

Cine Set – Qual é a sua opinião sobre o Curso Superior de Tecnologia em Produção Audiovisual, da UEA?

Zeudi – Esse curso técnico vem em um momento ímpar: a retomada da produção amazonense, iniciada por gente como Silvino Santos, Djalma Limongi Batista e Roberto Kahane. Estamos num caminho de nos afirmar como cinema, e esse curso vai ajudar o processo.

Cine Set – Quais foram os seus últimos projetos e o que pretende para o futuro?

Zeudi – Ano passado, fui preparador de elenco de Rota da Ilusão, de Dheik Praia. Recentemente, trabalhei, na mesma função, em Assim Aqui, de Keila Serruya.

Um ator precisa ter a plena compreensão do roteiro, do personagem e de suas nuances, e eu ajudo nesse processo. Infelizmente, a preparação de elenco precisa ser mais valorizada em Manaus. Aqui, ainda há a mentalidade do “vamos chamar os amigos espontâneos para atuar um curta”.

Quero continuar trabalhando em filmes que acredito, como “No Rio das Borboletas”. Eu ia defender este roteiro de minha autoria no Amazonas Film Festival do ano passado, mas, como fui pra Cuba, não pude mais. Sou fascinado pelo universo feminino e sua capacidade de criação, transformação e renovação. Por isso, escrevi esse roteiro, elogiado por jurados do festival, sobre uma mãe e suas três filhas, que vivem em condições extremas. Para financiá-lo, estou no aguardo de novos editais.

Cine Set – Você citou Spielberg, Tarantino e Terrence Malick. Pelo visto, eles são influências suas. Que outros cineastas você admira?

Zeudi – Admiro também os Irmãos Coen e seu cinema inteligente. Admiro a simbiose do pensamento cinematográfico dos dois. Gosto do Cacá Diegues e do Rosemberg Cariry porque contam histórias humanas. Fernando Meirelles e seu Cidade de Deus também são influência para mim.