Em um primeiro momento, o que mais se destaca em “Paterno” é o inusitado ponto de vista escolhido para se debater sobre a composição do espaço nas grandes cidades brasileiras, principalmente as periferias. Aqui, acompanhamos Sérgio (Marco Ricca), um rico empresário e arquiteto, herdeiro de uma grande empreiteira em Recife.  

Se a composição espacial e especulação imobiliária brasileira já são temas bem aprofundados na cinematografia do país, a escolha por um personagem que está do “lado de lá” da questão, por si só, já proporciona a “Paterno” justas atenções. 

Primeiro, pelo uso que o diretor Marcelo Lordello faz justamente para retratar esse espaço como reprodução exterior das amarguras internas de seu personagem principal. Sérgio é um homem poderoso, com talento artístico e jeito para os negócios, ao mesmo tempo em que se encontra aprisionado a uma vida que não lhe satisfaz.  

O uso dos planos fechados, os recorrentes engarrafamentos que colocam o protagonista ao lado do filho por longos minutos no carro, sem que uma única conversa flua de modo natural. Sua relação com o irmão mais velho (Nelson Barskeville), designado pelo pai para tocar a empresa da família, talvez seja a expressão mais óbvia desse universo que o ronda e o reprime. Um eterno embate entre dois “paus mandados” como o próprio Sérgio diz em certo diálogo. 

Para além de um filme sobre uma figura masculina em crise de meia idade, é justamente o agravante de se tratar de uma figura realmente burguesa, que proporciona a “Paterno” camadas de complexidade. Sérgio tem a condições financeiras e sociais de realizar o que quiser. 

No entanto, a pretensão artística, a busca por renovação na empresa e a consequente fuga da sombra paterna, que assola a ele e o irmão, resultam em um efeito que o coloca ainda mais próximo do pai. De forma paradoxal, a obsessão advinda do desejo de ruptura serve como motor para um projeto pessoal de poder tão comum a figuras de sua classe.

 

Texto publicado na cobertura do Festival Olhar de Cinema 2022.