Logo antes das sessões no Olhar de Cinema, um vídeo dos realizadores que não puderam estar presentes ao festival era exibido falando um pouco sobre cada filme que viria a seguir. Em sua apresentação, a diretora Payal Kapadia pedia que o público tivesse paciência com sua obra. Realmente, “Uma Noite sem Saber Nada”, co-produzido por França e Índia, é um filme melancólico e contemplativo, desenvolvendo-se em ritmo lento.

O filme é acompanhado por uma narração que vocaliza uma série de cartas anônimas fictícias produzidas por uma estudante de cinema. O conteúdo das cartas é romântico, escritos destinados a um amor distante.

Acompanhamos então as memórias e lamentações desta mulher, que assina as cartas apenas com a letra L, cuja história de amor também se confunde com recentes conflitos políticos na Índia. É desta relação que a diretora busca extrair sua narrativa, procedendo do privado para o público, permeando como uma situação estrutural influencia em questões do íntimo. 

A fotografia assinada por Ranabir Das reproduz um tom memorialístico a “Uma Noite sem Saber Nada”. Sempre em preto em branco, com uma textura granulada, quase se desmanchando sobre nossos olhos. Imagens que refletem a nostalgia e a desolação de nossa remetente anônima.

Os desdobramentos de suas cartas criam uma relação ainda mais próxima entre seu amor interrompido e as manifestações sociais na faculdade. L e o parceiro são estudantes da faculdade de cinema, amigos de líderes estudantis e eles próprios ativos nos atos.

É corajosa a escolha da diretora em manter o ritmo da narrativa em marcha lenta, mesmo com as crescentes imagens de violência que se sucedem no filme. O que por um lado poderia soar como uma fetichização daqueles problemas, acaba ressaltando o momento histórico.

Ainda assim, alguns momentos perdem impacto na tentativa da obra em balancear o romance ficcional e a documentação das manifestações. Em certa parte do filme, as memórias afetivas de L parecem estar em segundo plano, seguindo o próprio afastamento do seu antigo amor e a falta de resposta do mesmo. A questão é que os conflitos políticos, a essa altura, já não criam no espectador o mesmo laço que as lamentações amorosas. É quando há um esvaziamento das situações expostas, e o ritmo se torna mais cansativo.

De qualquer forma, “Uma noite sem saber nada” se utiliza muito bem de seu material base. Se as considerações políticas soam panfletárias, é justamente aí que elas melhor conversam com as cartas. Desenvolvendo uma insurgência em tom melancólico.

Texto publicado na cobertura do Festival Olhar de Cinema 2022.