Juventude (Sommarlek), 1951

Em 1950, a indústria do cinema sueca estava em um impasse com o governo do país, em razão das altas taxas impostas ao entretenimento. A situação ocasionou a interrupção da produção fílmica no ano seguinte. Atrelado a isso, Ingmar Bergman vivia um momento intensamente turbulento em todos os aspectos da vida do diretor. Filmado antes do filme de espião encomendado à ao diretor, o lançamento de “Juventude” foi adiado para dar chance ao fiasco “Isto Não Aconteceria Aqui”. Finalmente, em outubro de 1951 estreia “Juventude”, muito bem recebido pela crítica, a produção foi definida como o grande trabalho do período inaugural do sueco.

Desenvolvido a partir de um texto antigo do cineasta, a inspiração para o manuscrito veio de em um momento verdadeiro da sua vida, um romance de verão vivido pelo diretor na adolescência. Segundo Bergman, “Juventude” foi um dos seus filmes mais importantes. No livro Imagens, o diretor afirma que esse foi a primeira realização em que sentiu estar fazendo algo autoral, concebendo seu próprio estilo. Nas palavras do diretor: “(…) não era como nenhum outro filme. Era meu próprio trabalho. De repente, eu sabia que estava colocando a câmera no lugar certo, obtendo os resultados corretos, tudo se encaixava”.

Com um roteiro simples, o filme centra em Marie (Maj-Britt Nilsson) uma jovem bailarina preparando-se para dançar O Lago dos Cines na companhia em que trabalha, quando recebe misteriosamente um envelope contendo o antigo diário do sonhador Henrik (Birger Malmsten), sua primeira paixão. Na leitura, ela é confrontada pelas lembranças desse grande amor, fatalmente arrancado da sua vida.

Depois de receber o diário, Marie revisita os cenários onde viveu o tórrido romance. Entre as caminhadas da bailarina pelas paisagens e os flashbacks da primeira paixão, desvenda-se a descoberta da sexualidade, a intensidade do primeiro amor, a alegria daqueles dias. Contrastando com a insatisfação de uma Marie mais velha, ainda fortemente marcada pela morte da pessoa amada, ocasionada por um mergulho malsucedido nos últimos dias das férias. O atual namorado da jovem é constante sabotado pelo seu passado, que projeta nele a ideia do antigo amor.

Mesmo Bergman transcendendo a inocência da juventude, a doçura da descoberta, para a crise da vida adulta, é a clima emocionalmente nostálgico que sobressai. A eficiência de “Juventude” muito se deve a Gunnar Fischer, parceiro de Bergman responsável pela direção de fotografia. É a atmosfera criada pelo cinematógrafo somada a percepção do cineasta que resulta em um filme visualmente belo e comovente. A belíssima sequência final de Marie na coxia do teatro e no palco durante a interpretação do balé de Tchaikovsky, alcança o êxtase da personagem, como vivia quando era jovem.

Como bem salienta, “Juventude” é um divisor de águas na filmografia do diretor. Finalmente, o cineasta expressa com mais completude os sentimentos, a subjetividade na sua obra. A soma de todos os elementos encontrados nos seus grandes trabalhos é notada aqui, sem excluir a singularidade do filme. A associação entre um excelente roteiro original e um visual instigante, uma fotografia que vai muito além do agradável aos olhos, mas que trabalha intimamente com a narrativa, realmente apresenta um dos mais bonitos filmes feitos por Bergman[¹].


Quando as Mulheres Esperam
(Kvinnors Väntan), 1952

Vivendo uma situação financeira apertada, com a necessidade de criar algum filme com retorno financeira, o diretor apostou na ideia da escritora Gun Grut, sua então esposa, para realizar sua primeira comédia, gênero com certa garantia de sucesso. Com roteiro desenvolvido por Bergman, inspirado no relado das memórias de Grut, “Quando as Mulheres Esperam” conta a troca de confidências entre quatro cunhadas sobre seus relacionamentos, durante a espera em uma casa de veraneio pelo retorno dos seus maridos, os irmãos Lobelius, e o impacto desses eventos passados nos seus casamentos.

Por meio de flashbacks, o espectador é levado para cada uma das três histórias contadas. Na primeira, Rakel (Anita Björk) revela o caso extraconjugal vivido com uma antiga paixão, além da reação do marido ao revelar a ele a traição. No segundo episódio, Marta (Maj-Britt Nilsson) narra o início do seu envolvimento amoroso, entre uma noite em um cabaré parisiense, a gravidez inesperada até a escolha da mulher em dar à luz sozinha. O terceiro e último flashback é de Karin (Eva Dahlbeck), após uma festa ela e o marido ficam presos em um elevador, acontecimento que reacende a paixão do casal. Em contrapartida, a adolescente Maj (Gerd Andersson) no auge da intensidade de viver o primeiro amor, planeja fugir com o namorado, em contraste com as relações das outras mulheres.

Todos os três momentos possuem climas diferentes. Enquanto o primeiro é bem explícito nos seus diálogos – e na crítica ao tema central do longa -, o segundo muito mais emocional, deixa um pouco de lado as falas para abusar das imagens. Aliás, a fotografia de Gunnar Fischer é mais uma vez um destaque. Já o último episódio é o que concentra o humor do longa, com a cena brilhantemente interpretada por Eva e Gunnar presos em um elevador.

Os temas abordados aqui são suavemente expostos em comparação com o que o sueco criou antes e depois, tanto pela intenção do diretor quanto pelo clima gerado no decorrer da película. Apesar das histórias das personagens orbitarem em torno dos seus casamentos, as relações com os homens, a atmosfera do longa realça muito mais o espírito de solidariedade entre elas. A cumplicidade entre essas mulheres reflexo das suas vivências. Não há espaço para julgamentos ou lições de moral, elas abertamente contam suas intimidades como uma irmandade, sem reservas ou medo. É interessante observar que mesmo reunidas ali pela conveniência dos seus esposos, o entendimento da condição compartilhada sobrepõe a necessidade de qualquer laço profundo, as protagonistas unidas pelo que as torna iguais, a condição como mulher.

“Quando as Mulheres Esperam” se revela um trabalho injustamente pouco reconhecido do diretor. Os pequenos contos conectados por um tema único (o casamento) faz mais que apenas discutir as relações conjugais. Mesmo sendo o primeiro esboço de Bergman na comédia, gênero que ele retornaria em outros trabalhos usando o mesmo tópico, com doses de humor ácido associado a pluralidade do ponto chave, somado a dinâmica muito bem desenvolvida entre o elenco, resulta em uma obra vigorosa e atemporal que, com certeza, fala muito mais do que pretendia.

CURIOSIDADES

  • [¹]Em um texto publicado na Cahiers du Cinéma escrito por Jean-Luc Godard, intitulado Bergmanorama, o diretor francês definiu “Juventude” como o mais belo dos filmes.
  • Bergman relatou que a estreia de “Quando as Mulheres Esperam” foi uma das experiências mais felizes da sua vida. Na entrada do cinema Röda Kvarn, o diretor foi surpreendido pela reação expressiva da plateia, “foi a primeira vez na minha vida em que alguém riu de algo que eu tinha feito”.