Momento confissão: tenho simpatia pela Lens Produções.

Antes de qualquer elemento cinematográfico, o que me chama a atenção no grupo é o cuidado na parte executiva, de negócios do grupo. A Lens, claramente, se inspira em um modelo próximo do comercial, de Hollywood, algo diferente para a região. Isso inclui desde pequenos detalhes como chamar Lucas Simões de CEO do grupo, possuir um site bem moderno e atualizado constantemente para os padrões dos coletivos artísticos locais, uma logomarca com estilo semelhante a do Telecine, a exibição dos trailers antes do filme principal, chamar os jovens diretores de cineastas (alcunha que muito realizador experiente não gosta de ser denominado em Manaus) e até a mesmo realização da LensCP, evento feito todo fim do ano para apresentar os futuros projetos.

Formado por um grupo de garotos, muitos deles, com menos de 20 anos, a própria missão do coletivo exposta no site chama a atenção ao declarar que “a Lens Produções é uma produtora cinematográfica, que tem como proposta inovar no cenário audiovisual amazonense, entregando experiências extraordinárias para o telespectador, e que acima de tudo, tem como princípio conectar as pessoas ao cinema”. É óbvio que se trata de algo pretensioso, ainda MUITO longe de ser atingido, porém, a ambição sem meias palavras da turma de Lucas Simões tem um charme juvenil.

Lançado em uma sessão com ótimo público no Cinemark do Studio 5 no último dia 15 de agosto, “A Caixa” mostra bem toda esta pretensão da Lens. Um drama existencialista dirigido por um rapaz de 19 anos (Davi Penafort), média-metragem de 65 minutos, ambientado em um longo período de tempo com efeitos visuais de um mundo apocalíptico e aposta em efeitos sonoros épicos.

O resultado, bem… sabe aquela história do quanto mais alto, maior o tombo?
Eis um bom exemplo.

A história acompanha Erik, um jovem psicólogo (Aderbal Loureiro) que recebe um paciente mais velho (Luiz Vitalli) atormentado pelos trágicos acontecimentos do passado. À medida em que os relatos do senhor avançam, o profissional se vê em um labirinto complicado de sair.

“A Caixa” possui características claras de filme de quem está começando a descobrir as potencialidades do cinema: todo tipo de recurso é explorado ao máximo.

Tem drone?
Coloca, por favor.
Tem como experimentar diferentes tipos de coloração?
Vamos ver como vai ficar.
E efeitos sonoros e uma trilha poderosa?
Sim, sim.

Isso, claro, não chega a ser um pecado: trata-se de algo natural possível de ser encontrado em qualquer projeto seja no cinema americano até o mais humilde dos filmes amazonenses. O problema é saber como dosar isso dentro de uma trama para que o público não perca interesse no que está vendo e passe somente a contemplar a parte estética. Em um filme de LONGOS 65 minutos, isso se torna ainda mais fundamental.

“A Caixa”, entretanto, passa do ponto por diversas vezes: desde o som ensurdecedor (vi gente chegando a tapar os ouvidos de tão alto durante a sessão) até mesmo a desnecessária troca da coloração durante o que deveria ser um tenso diálogo entre psicólogo e paciente. Se a utilização do drone está ali apenas para mostrar que a produção teve como fazer tomadas aéreas por possuir o equipamento sem chegar a provocar maiores incômodos, a onipresente trilha sonora, além de ser piegas, torna o filme didático a tal ponto que não permite qualquer sentimento espontâneo ou subjetividade do espectador.

O didatismo também dá as caras no roteiro, especialmente, na pretensa reviravolta. Como se a revelação não fosse óbvia o suficiente para o público compreender, os personagens reforçam o que realmente aconteceu repetindo as mesmas frases duas a três vezes em uma discussão no consultório.

Complicado mesmo, porém, são as frases de efeito surgidas a cada dois minutos. Falas como “Ninguém sabe o que é felicidade”, “Se Deus existe, não foi justo” e “Seja maior, seja forte, alcance o sol, seja Deus”, entre muitas outras, poderiam até caber em um livro de auto-ajuda ou em um filme com pegada religiosa – “Deus não Está Morto”, por exemplo – porém, em uma obra com pretensos tons existencialistas soa artificial demais. Interessante recordar de como um filme bem mais simples em todos os sentidos, o ótimo “Todas as Minhas Anotações”, de Andrew de Souza, conseguiu tocar em uma temática semelhante e obteve maior sucesso na abordagem.

Calcanhar de Aquiles constante da produção amazonense (salvo raras exceções), as atuações não ajudam nenhum pouco a tornar estes trechos mais palpáveis e os momentos em que o elenco precisa ser mais exigido passa longe do satisfatório. A mise-en-scène mal elaborada, especialmente, nas sequências de briga entre o casal e uma facada levada por uma figura querida do protagonista, tiram a atenção do espectador pelos problemas técnicos visíveis.

Para não dizer que não falei das flores, “A Caixa” consegue criar efeitos visuais interessantes. Apesar daquele irritante facho de luz na sala do consultório querer ressaltar o óbvio de uma situação anormal ocorrendo ali, o visual alcançado no cenário apocalíptico chama a atenção mesmo com a falta de profundidade nas cenas mais frontais em que os personagens aparecem e a confusão do roteiro em situar o espectador na viagem temporal de quase 60 anos. E a fotografia de Rômulo Souza consegue belas imagens do ponto de vista estético com destaque para as tomadas do final do filme com som à la Coldplay.

Os créditos finais com uma imagem espacial ilustra simbolicamente o tamanho das pretensões da Lens com “A Caixa”. Mirou alto, mas, levou uma senhora queda. O bom é que, para uma turma formada de jovens ambiciosos, um tropeço destes sara rápido.