Em 2010, a DreamWorks Animation lançou um dos maiores acertos do estúdio até hoje: Como Treinar o Seu Dragão foi sucesso de público e crítica, e surpreendeu pelo equilíbrio alcançado entre uma boa narrativa e uma animação tecnicamente bem produzida. Eis que agora chega aos cinemas a inevitável sequência, quatro anos depois. Felizmente, ao contrário das várias continuações de Shrek, cada vez mais fracas, ou dos insuportáveis Madagascar, Como Treinar o Seu Dragão 2 consegue manter o espírito do primeiro filme ao mesmo tempo em que introduz novos elementos, e prova assim que é possível entregar uma aventura tão boa quanto a original.

Cinco anos depois dos acontecimentos do filme anterior, a ilha de Berk vive agora em paz, com humanos e dragões plenamente integrados. Soluço, agora com 20 anos, viciado em adrenalina, explora novas terras ao lado do fiel Banguela, enquanto tenta fugir da responsabilidade que o pai lhe impõe de assumir seu lugar como líder da tribo. Afinal, o protagonista está passando pela crise básica de identidade: afinal de contas, quem ele é? Qual o seu lugar no mundo? E é justamente nesse momento que ele se vê no meio de novos conflitos, como o ressurgimento de sua mãe, que todos julgavam estar morta, e um novo vilão, o caçador de dragões Drago Sanguebravo.

Para conduzir essa história, o canadense Dean DeBlois, que comandou o longa anterior com Chris Sanders, assume, desta vez, sozinho, a direção e o roteiro, e não hesita em se arriscar, jogando novos elementos na história e tentando levá-la a rumos inesperados. Com segurança, ele foca nos protagonistas, agora mais velhos, e no processo de amadurecimento que eles passam. Enquanto Soluço deve aprender a lidar com suas responsabilidades, a namorada Astrid já se mostra mais segura de si. Já a inclusão da mãe Valka (dublada na versão original por ninguém menos que Cate Blanchett) como uma guerreira e protetora de dragões, além de trazer mais uma personagem para a galeria de mulheres fortes da série, contribui para explorar as relações familiares entre ela, o filho e o bravo Stoico, revelando novas facetas do líder viking.

Uma das maiores qualidades de Como Treinar o Seu Dragão 2, aliás, é não se desvencilhar de situações que poderiam soar mais “pesadas” para o público infantil. Se no primeiro filme Soluço perdia uma das pernas ao final, aqui, certas decisões, como bem visto nas cenas de batalhas, têm consequências para os personagens. Uma dessas consequências, aliás, é particularmente dolorosa e emocionante na medida certa, passando longe do melodrama.

Apesar de alguns diálogos e situações forçadas e personagens coadjuvantes que acabam sendo subutilizados como alívios cômicos na maior parte do tempo, o roteiro de DeBlois sabe bem o que quer mostrar no filme, e a narrativa é muito beneficiada pelo design da produção e o excelente trabalho de câmera. É visível o salto de evolução da animação em relação ao filme anterior: os dragões são mais vívidos, os novos cenários são bem definidos, e há mais detalhes em cena, como as escamas dos dragões e a barba rente de Soluço. Além disso, o diretor consegue imprimir energia ao filme principalmente nas sequências de ação, que em nada devem a batalhas grandiosas como as da trilogia O Senhor dos Anéis, por exemplo. Planos gerais e panorâmicas exploram bem os elementos em cena, e a montagem ágil contribui para o ritmo. A luta entre dois dragões alfa, de enormes proporções, por exemplo, se sai bem melhor do que os monstrões se engalfinhando no recente Godzilla.

Com sucesso, o filme consegue proporcionar a imersão do espectador nesse universo fantástico. A imensidão do céu das terras vikings é a deixa que possibilita explorar sequências como aquela em que Soluço e Banguela voam ao som da bela música de Jónsi, líder do grupo islandês Sigur Rós que colabora novamente na trilha. De fato, o som ajuda muito a ambientar o mundo em que os vikings e os dragões coabitam. Cada uma das criaturas possui seus próprios grunhidos, e suas “vozes” expressam seu humor, raiva ou até mesmo dor, sempre se comunicando com seus parceiros humanos. Além disso, a trilha pontual de John Powell realiza um trabalho eficaz na trama.

Tudo isso acaba resultando em uma aventura excitante e bem dirigida, que entrega uma boa diversão para a família. Essencialmente como o relacionamento entre Soluço e Banguela, Como Treinar o Seu Dragão 2 é honesto em suas escolhas, buscando sempre aliar o emocional à ação, como uma boa aventura deve fazer. Nem sempre o que se vê na tela é o melhor que poderia ser, mas as crianças que estavam na mesma sessão que eu certamente ficaram atentas o suficiente para não dar nem um pio durante o longa – e meus parabéns ao garoto que, ao ver o pai com o celular ainda ligado durante o começo do filme, reclamou em alto e bom som: “Sim, você não vai ver o filme não?!”. Com certeza o pequeno está se comportando melhor do que muita gente por aí, e aproveitando tudo o que o filme tem a lhe oferecer.

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