O estado atual da indústria cinematográfica permite engraçados paralelos. De um lado, temos filmes que imploram a tela grande sendo produzidos por empresas de streaming, como “Roma”, de Alfonso Cuáron, ou o Suspiria” de Luca Guadagnino. Por outro, há projetos como “A Beautiful Day in the Neighbourhood”, novo longa de Marielle Heller, que tem tido um lançamento tradicional apesar de ter a cara e a cor de um filme para se ver no sofá numa noite chuvosa. 
 
O roteiro de Micah Fitzerman-Blue e Noah Harpster bebe diretamente das fábulas infantis e dos roteiros da Era de Ouro de Hollywood para fazer o público se sentir bem e acreditar na diferença que a bondade pode fazer. Com Tom Hanks – o eterno boa-praça do cinema – à frente do elenco, o filme funciona, apesar de desprovido de qualquer toque pessoal de Heller. 

Sem novidades no front 

Em “A Beautiful Day in the Neighbourhood, Hanks interpreta Fred Rogers, um apresentador de programa infantil cuja popularidade o torna comparável a uma versão gringa e mais educativa da Xuxa em seu auge oitentista. Entrevistá-lo é missão de Lloyd Vogel (Matthew Rhys, o Phillip de “The Americans”), um jornalista amargo que construiu célebre carreira expondo o lado podre de personalidades públicas. 
 
O filme é inspirado na história real de quando o repórter americano Tom Junod foi encarregado de escrever um perfil sobre Rogers para a revista de variedades Esquire, no final dos anos 90. O roteiro, no entanto, opta por não retratar Junod, criando o fictício Vogel para servir de protagonista. 
 
Essa decisão cômoda abre margem para a composição de um personagem um tanto raso, com um arco dramático para lá de óbvio. Vemos que Vogel perdeu o encanto pela humanidade quando foi abandonado pelo pai (Chris Cooper) e vemos, também, como sua frieza sentimental o deixa alienado até mesmo da esposa (Susan Kelechi Watson). 
 
Sendo obrigado por sua chefe a escrever sobre Rogers, Vogel parte para a entrevista com as garras prontas para achar algo duvidoso ou reprovável sobre o querido apresentador de TV. Seu encontro, no entanto, desencadeia uma inversão de papéis em que Rogers questiona Vogel sobre seu passado. E acaba entrando em sua vida para transformá-la para sempre. 

Quase um conto de Ação de Graças 

A estreia do filme nos Estados Unidos no final de novembro coloca a produção bem em tempo de aproveitar o clima camarada do Dia de Ação de Graças, com sua mensagem em prol do perdão e da aceitação encontrando perfeito pano de fundo na temporada de festas.  

Dentro de sua proposta, “A Beautiful Day in the Neighborhood” funciona muito bem. Conforta, diverte e emociona à sua maneira, ainda que não diga particularmente nada de novo.