Se você queria ver Mads Mikkelsen bebendo até cair e mostrando um certeiro timing cômico, você acaba de achar seu filme do ano. “Another Round”, longa de Thomas Vinterberg que estreou em Toronto e foi exibido no Festival de Londres deste ano, reúne o cineasta com o astro de seu hit “A Caça“. No entanto, os resultados não poderiam ser mais diferentes: enquanto sua parceria anterior é um dos dramas mais pungentes da última década, a nova é uma buddy comedy no estilo “Se Beber Não Case” feita com o seco humor escandinavo.
Mikkelsen é Martin, um professor quarentão que acha que seus anos dourados já passaram. Sua mulher o evita, seus alunos o acham um saco e sua vida parece bastante estagnada. Durante um jantar com seus amigos – todos professores contemporâneos em situações similares – surge um debate acalorado acerca da teoria do psiquiatra Finn Skårderud de que os seres humanos possuem um déficit de teor alcoólico no sangue, que deveria ser compensado diariamente para uma vida mais plena. Achando que não têm nada a perder, eles decidem testar essa hipótese, o que desencadeia uma louca e tocante sequência de eventos.
Escrito por Vinterberg e outro de seus colaboradores habituais, Tobias Lindholm, o roteiro abraça todas os absurdos e contradições de sua proposta e das personagens. Em outras mãos, este seria apenas outro filme com quarentões bebendo até cair, com piadas fáceis envolvendo embriaguez e nudez. Os realizadores, no entanto, estão mais interessados em usar a premissa para expor os efeitos da idade e do tempo.
MEDOS E FRAGILIDADES
O longa não teria nada de cômico se o experimento dos professores não desse certo – ao menos por um tempo. Eles cativam seus estudantes e viram figuras queridas dentro do ambiente escolar. Martin até mesmo ensaia uma retomada afetiva no relacionamento com a esposa. Porém, como se sabe, a relação entre homens frustrados e substâncias entorpecentes raramente é sadia ou previsível a longo prazo, e repentinamente o público está diante uma tragédia que toca em alcoolismo e alto preço das escolhas da vida.
O quarteto principal – Mikkelsen, Thomas Bo Larsen, Lars Ranthe e Magnus Millang – está ótimo e justamente dividiu o prêmio de melhor ator no Festival de San Sebastián. Mikkelsen, no entanto, merece aplausos à parte pela sua interpretação corajosa de Martin, cuja crise de meia-idade surge como um apelo interno para que ele se reconecte consigo mesmo. Na cena em que ele decide se juntar ao experimento logo no início do filme, observe como ele usa o rosto para mostrar sua ida da resistência à aceitação, e tente desviar os olhos da tela.
Vale notar que Skårderud existe, mas a teoria que serve de base ao filme é fruto da liberdade criativa dos realizadores. Mesmo se apoiando numa tese falsa, “Another Round” é um filme potente que aborda medos e fragilidades muito reais. Na vida de seus protagonistas, o grande desafio está na aceitação de sua própria falibilidade – e às vezes, a única maneira de fazer isso é com uns drinques no estômago.