Um dos elementos que mais atraem no cinema é o seu poder de ilusão. Não é de hoje que filmes buscam recriar uma realidade para nela inserir os medos e angústias presentes no dia a dia das pessoas. Isso é algo que pode ser notado nos escapismos dos grandes musicais do passado até obras em animação (“Planeta Fantástico”) ou em filmes de terror que sabem aproveitar seus potenciais, como visto recentemente em “Hereditário”.

“Inferninho”, da dupla cearense Pedro Diógenes e Guto Parente, acaba por entrar nesse contexto devido ao eficiente uso da direção de arte, figurino e fotografia para entregar uma obra que discute sobre o isolamento e vidas sem rumo. O filme inicia inserindo o espectador no interior do bar Inferninho com seu número musical, clientes e a dona do bar Deusimar (Yuri Yamamoto). Quando um estranho marinheiro chamado Jarbas (Demick Lopes) chega ao local, ela logo se atraída por ele e o convida para ficar e ajudá-la com o trabalho no lugar.

Apesar deste início que beira o romance, o roteiro de “Inferninho” parte para diversas situações, sempre buscando trazer novo gás à trama. Ainda que o foco seja a relação entre Deusimar e Jarbas, não é somente esta ação que constitui toda a história, o que acaba sendo um dos problemas do projeto. Afinal, os diversos personagens que apresenta, incluindo os protagonistas, acabam mal desenvolvidos, criando uma dificuldade para se relacionar e entender seus conflitos.

Acaba sobrando para os próprios atores a tarefa de trazer uma maior intimidade para seus personagens e o resultado, de modo geral, acaba sendo irregular. Deusimar se destaca pelo ótimo trabalho de Yuri Yamamoto ao compor uma personagem bastante versátil, indo das explosões de raiva até os limites de sua tristeza sem perder muito da essência de “Inferninho”. Demick Lopes, porém, termina por ficar nos limites que o texto lhe apresenta, sendo apenas uma mera figura que está ali para mover a trama em alguns momentos.

A dinâmica entre cantora Luizianne (Samya De Lavor) e a segurança Caixa Preta (Tatiana Amorim) também fica abaixo do que poderia ser. Por outro lado, brilha o personagem do Coelho, vivido por Rafael Martins. Mesmo com pouco tempo de tela, protagoniza uma das cenas mais lindas e bem-dirigidas da obra.

 O ESTRANHO MUNDO DE INFERNINHO

Pedro Diógenes e Guto Parente utilizam para seu filme uma estética que bebe bastante da representação teatral e do Expressionismo, apostando bastante nos exageros técnicos em seu design de produção, figurino e para as atuações. Soma-se a isso um certo toque de ‘sujeira’ que amarra a obra. Enquanto o bar Inferninho é dominado por paredes pretas mofadas, mesas e cadeiras enferrujadas, os figurinos dos personagens seguem o mesmo caminho. Roupas essas que fazem referências aos mais diversos personagens da cultura pop como os X-Men, Mulher-Maravilha e até mesmo Mickey Mouse. A fotografia também se destaca pelo uso excessivo de sombras e luzes com cores nunca bem definidas.

Esses elementos combinam bastante com uma das discussões do filme a respeito do isolamento. O Inferninho parece ser o único lugar onde podem realmente mostrar suas verdadeiras personalidades, ainda que corroídas e sujas. Os clientes e suas roupas, assim como o bar em si, terminam por serem apenas projeções de coisas que prendem as pessoas em situações que elas não podem ou não querem escapar. A própria Deusimar se apresenta como uma figura com certas ambições, mas que não consegue sair daquele espaço problemático, e quando resolve ir por este caminho, alguém ou alguma coisa a impede de seguir em frente.

Essa ideia sobre o que “Inferninho” busca discutir só surge mesmo a partir do terceiro ato, momento no qual o destaque para a personagem de Yuri Yamamoto ganha mais proeminência no filme e ajuda a dar uma forçar motriz em sua reta final. Até chegar aqui, o espectador deve encarar momentos dos mais melodramáticos e brigas de bar que levam mais ao riso do que a tensão. E mesmo assim, não terminam por serem pontos negativos, mas podem se tornar um empecilho para quem busca uma razão para poder acompanhar estes momentos.

Por abraçar essa estética, “Inferninho” não espanto o uso horrível da tela verde no filme. Na verdade, reside neles as cenas mais atraentes e que conseguem embalar momentos bastante lindos e, perto do final, envolve um número musical que carrega bastante impacto emocional para a personagem principal.

Ao terminar a projeção, o sentimento que fica é de algo interessante por suas escolhas ousadas, mas que caso fosse dado um tratamento mais adequado poderia atingir melhor seus objetivos. Mesmo que falhe por conter um roteiro bastante irregular, consegue prender por suas soluções visuais de cenário e iluminação. “Inferninho” termina sendo um longa que representa um resultado positivo para um cinema independente que busca sempre trazer olhares mais excêntricos para a produção nacional.