Uma tocante história sobre crescer e achar aceitação longe do núcleo familiar, “Kajillionaire“, novo filme de Miranda July (“O Futuro”, “Eu, Você e Todos Nós”) é um projeto tematicamente ousado que confirma sua diretora como uma voz única no cinema independente estadunidense. Depois de estrear no Festival de Sundance e ser exibido no Festival de Londres, o projeto é mais uma mostra do poderio de Evan Rachel Wood (“Westworld”) – magnética no papel principal.
Ela interpreta Old Dolio Dyne, uma jovem que vive na Califórnia ajudando e acompanhando os pais (Richard Jenkins e Debra Winger), charlatões de marca maior, em diversos trambiques e esquemas. Durante uma operação, a família se envolve com Melanie (Gina Rodriguez), que desperta sentimentos inesperados em Old Dolio. Frustrada com sua vida de golpista e com a falta de afeto familiar, ela explode e foge com Melanie em uma jornada ao centro de si mesmo.
O roteiro, assinado pela diretora, é cheio de personagens cheios de maneirismos que são um dos charmes de sua obra. A protagonista, por exemplo, é tão retraída em suas interações sociais e desacostumada a carinho que não consegue ser tocada. Na cena em que ela tenta receber uma massagem, logo no início de “Kajillionaire”, ela reclama por estar sendo muito pressionada mesmo quando a massagista nem toca nela e chora. O momento é pura July: expondo uma fragilidade de maneira inesperada e com muita empatia.
SENSIBILIDADE E AMBIÇÃO NA NARRATIVA PROPORCIONAIS
Centrada em mulheres, a trama passa no teste Bechdel com louvor. A interação entre Old Dolio e Melanie, que acaba guiando o filme, passa por diversos estágios e permite à produção tocar em diversos temas – como performatividade de gênero e vínculos familiares abusivos – de maneira leve. Observe a cena em que as duas fingem ser, respectivamente, um técnico de geladeira e uma cliente, parafraseando e subvertendo falas de um pornô barato ao mesmo tempo em que deixam a atração entre elas nas entrelinhas.
Esse eterno faz-de-conta, no entanto, é claramente nocivo a Old Dolio e, no fundo, ela quer que a aproximação com Melanie seja algo real. O vácuo afetivo deixado por seus pais golpistas é de partir o coração e Wood abraça essas emoções conflitantes com vigor, em uma das melhores atuações em uma carreira cheia delas. Ela e Rodriguez sustentam um longa que se sente livre para mudar de foco várias vezes, mas que nunca perde a direção.
Há algo de hermético na estética de July que faz seu cinema não parecer tão acessível a princípio. Esse julgamento, no entanto, é um tanto quanto injusto se forem levadas em conta a alma e a sensibilidade da obra da cineasta, bem como a sua ambição. Disfarçado de um romance LGBTQ, “Kajillionaire” é um filme que faz perguntas difíceis sobre necessidades emocionais e a natureza das relações humanas. Mesmo demandando mais do espectador do que suas obras anteriores, ele mostra uma clara evolução de sua realizadora.