Na sua segunda temporada, a série Penny Dreadful enfim se torna o que a sua primeira temporada prometia, mas não conseguia exatamente cumprir: um programa ousado que alia suas origens pulp com momentos sublimes de caracterização e uma trama focada. O criador do programa, o roteirista e produtor John Logan, demonstrou nesta temporada não ter medo nem de Deus nem do Diabo, e criou dez episódios recheados de suspense e emoção, apoiados por performances sólidas do seu elenco.

Esta é uma temporada de mulheres. Verdade seja dita, Logan a inicia usando um truque velho e meio deselegante de roteirista: do nada, ele promove uma personagem que só havia aparecido em poucas cenas da temporada anterior em vilã principal desta. Mas que vilã: Evelyn Poole (vivida com gosto pela veterana Helen McCrory), vista antes como a anfitriã da já clássica sessão espírita do primeiro ano, se revela uma bruxa, líder de um covil satânico que deseja a todo o custo atrair Vanessa Ives (Eva Green) para mais perto do seu Mestre, o anjo caído cujo idioma, o “verbis diablo”, é falado em diversos momentos pelos personagens. Evelyn é um monstro, mas ao mesmo tempo é charmosa, sexy e exagerada – em todos os aspectos, uma antagonista para ficar na memória.

Enquanto Evelyn parte para o ataque total em busca da alma de Vanessa – com direito a ajuda de bruxas nuas, carecas e diabólicas capazes de aparecer e desparecer, as “visitantes da noite” – outra figura feminina se destaca ao longo dos episódios. A ex-prostituta Brona (Billie Piper) renasce pelas mãos de Victor Frankenstein (Harry Treadaway), a princípio para servir de companheira para a sua Criatura (Rory Kinnear). Porém, a criação de “Lily” mexe com Victor, que fica louco para fazer um pouco de necrofilia com ela – sem dúvida, um desenvolvimento novo e interessante dentro da conhecida história da Noiva de Frankenstein. No entanto, Lily aos poucos se liberta das suas amarras e surpreende tanto Victor quanto a Criatura e também o público, a ponto de estabelecer uma aliança com o nefasto Dorian Gray (Reeve Carney). Piper também se torna uma presença forte e praticamente rouba a cena nos episódios finais.

Helen McCrory como Evelyn Poole na segunda temporada de Penny DreadfulA temporada é tão dominada pelas mulheres que um dos melhores episódios é o terceiro, aparentemente feito para poupar gastos por ser ambientado em poucos cenários – a produção do Showtime, rodada na Irlanda, parece ter tido seu orçamento diminuído, mas sem impactos narrativos aparentes. Mesmo assim, é um prazer ver o show de Eva Green e da atriz convidada Patti LuPone, como a parteira que ensina Vanessa a se proteger e lhe fornece uma arma contra as visitantes da noite e outros demônios. O episódio tem um clima de velho filme de terror da Hammer, com direito a aldeões carregando tochas, muita névoa e clima soturno.

Esse episódio demonstra como a série realmente conseguiu, neste ano, abraçar o espírito das velhas penny dreadfuls britânicas – os livrinhos com histórias macabras que hoje são considerados como os ancestrais da pulp fiction – com o drama e o desenvolvimento de personagens necessários a praticamente todos os seriados modernos. Penny Dreadful foi, nesta segunda temporada, sublime e trash, frequentemente no mesmo episódio.

Enquanto o espectador vê coisas como bonecas falantes e um baile sangrento – Vanessa sendo encharcada pela chuva de sangue que só ela vê enquanto as pessoas dançam ao seu redor, sujando-se de vermelho, é uma das imagens mais impactantes do seriado até hoje – os momentos sublimes ficaram ao cargo dos atores. A performance mais sensível foi mesmo a de Kinnear como Caleban/Criatura. Após assumir o nome de John Clare, inspirado num poeta inglês, ele passa a ajudar pacientes de cólera e trava uma conversa tocante com Vanessa sobre a existência ou não de Deus – um momento tornado mágico graças aos diálogos de Logan, à direção e às atuações de Kinnear e Eva Green. Eles têm outras cenas juntos ao longo da temporada, e todas elas forneceram a Penny Dreadful algo que faltou um pouco na primeira temporada: alma.

Eva Green em cena da segunda temporada de Penny DreadfulSe a série consegue ir do sublime ao ridículo com facilidade, ninguém expressa isso melhor do que a sua estrela. Eva Green nem precisa de efeitos visuais para parecer possuída: basta uma virada de pescoço, um arquear das costas, e umas falas em “verbis diablo” para fazer funcionar qualquer maluquice que Logan consiga inventar. Ela é o maior efeito especial do seriado, sem medo de se entregar ao papel totalmente ou mesmo de se expor um pouco nele, como na simpática cena na qual Vanessa ajuda Victor a escolher um vestido para Lily, e vemos a sombria protagonista abrir um descontraído sorriso… De quebra, a atriz eleva até o trabalho dos seus companheiros de cena, como o já mencionado Kinnear, além de Timothy Dalton como Sir Malcolm – a relação pai e filha entre eles é algo que foi muito bem trabalhado no final do ano anterior – e Josh Hartnett como Ethan.

Hartnett sempre foi considerado um ator limitado, mas talvez contagiado pelos colegas, vem fazendo um trabalho bom e consistente na série. Neste ano a “vida noturna” de Ethan tem importância primordial na trama e Logan até estabelece o velho truque da “tensão sexual” entre ele e Vanessa para manter o público interessado. E graças aos atores, funciona. Esse foi um dos maiores prazeres de Penny Dreadful nesta segunda temporada: ver velhos clichês dramáticos e elementos à moda antiga – como o design da maquiagem e a revelação do sobrenome de um personagem que remetem ao clássico O Lobisomem (1941) do estúdio Universal – encenados com vigor e talento suficientes para parecerem frescos. Parece que a série encontrou seu rumo, e é difícil reclamar de uma temporada que se encerra com a heroína conversando com uma boneca feita à sua própria imagem ou com uma dupla de personagens valsando em meio ao próprio sangue caído no chão. Se a produção conseguir manter esse ritmo envolvente e sua disposição destemida, podemos esperar prazeres ainda maiores no futuro.