Antes de mais nada, esse texto precisa reforçar o que traz o título: A crítica contém SPOILERS. Se você não deseja saber mais detalhes sobre a até então pouco divulgada trama do Episódio VII de Star Wars, pare a leitura a partir deste ponto.

Aproveite e leia a nossa crítica sem spoilers aqui!

Ainda aqui? Então vamos lá!

O misto de empolgação e apreensão tomou os fãs de Star Wars nas praças de alimentação e entorno das salas de cinema ao redor do mundo hoje. Afinal de contas, já se passaram mais de 15 anos desde a última vez que os aficionados com a saga experimentaram algo semelhante, na época do lançamento do famigerado Episódio I.

Às portas das salas de cinema, muitos poderiam se perguntar se “O Despertar da Força” sucumbiria ao peso da responsabilidade de continuar a história das trilogias anteriores e, também, ao peso que a publicidade massiva infligiu ao filme. Como bem descreveu o filósofo Slavoj Zizek em seu “Guia Pervertido do Cinema”, um sonho realizado pode muito bem ser um pesadelo, já que a realidade não possui as mesmas cores das projeções de um ideal.

Com “Star Wars: O Despertar da Força”, pode-se dizer que todos os medos foram apaziguados com sucesso. A direção de J.J. Abrams equilibra com maestria as referências às trilogias, em especial a composta pelos Episódios IV, V e VI, ao passo que introduz novos e cativantes personagens. Esses elementos são apoiados pela escolha inteligente de não se render à tentação de dirigir o longa com uma pegada carregada na edição, que corre fluida e não  intensifica os confrontos exclusivamente por uma quantidade exorbitante de cortes.

Tradicionalmente, resenhas apresentam a sinopse do filme nos primeiros parágrafos, mas nesse caso a formalidade é mais que bem-vinda, uma vez que pouco se sabia até então sobre a trama. Como os icônicos letreiros explicam nos segundos iniciais de “O Despertar da Força”, Luke Skywalker (Mark Hamill) desapareceu após o treinamento fracassado de seu discípulo. Nesse meio tempo, forças do Lado Negro contribuíram para o fortalecimento dos ideais do Império, que ganha a alcunha de Primeira Ordem. Dentre seus defensores, está o poderoso aprendiz Sith Kylo Ren (Adam Driver).

A Primeira Ordem é poderosíssima, graças ao poder de fogo de uma nova versão da Estrela da Morte, maior e mais potente. A missão da Resistência então passa a ser encontrar Luke Skywalker, o único capaz de equilibrar a disputa entre o bem e o mal. Uma pista é um mapa carregado pelo droid BB-8, que cai no planeta Jakku, onde encontramos a protagonista Rey (Daisy Ridley). Ela ajuda o stormtrooper Finn (John Boyega), que fugiu da sua sina de soldado e de quebra ajudou o membro da Resistência Poe Dameron (Oscar Isaac) a escapar das mãos da Primeira Ordem.

O filme já começa quebrando com algumas convenções de Star Wars: mostra um confronto pela perspectiva dos troopers. Ainda sem rosto, nosso protagonista Finn trabalha a linguagem corporal sem exageros, imprimindo a insegurança e revolta do personagem quanto à sua função enquanto soldado. Desde aí é possível perceber que a direção de atores trará saldo positivo a “O Despertar da Força”. Mesmo quando o piloto de X-Wing Poe Dameron é introduzido na trama com um jeito bonachão que emula bem um Han Solo, ainda se percebe o cuidado de não pesar a mão e apontar para a mera caricatura. A apresentação de Han Solo (Harrison Ford) em seu retorno a Star Wars também passa longe do saudosismo sem propósito; ele e Chewbacca são peças essenciais ao interceptar o veículo em que Finn e Rey fogem das garras da Primeira Ordem: a Millenium Falcon!

A escolha acertada de elenco atinge o seu ápice com Adam Driver como Kylo Ren. Preparado, o ator transmite a instabilidade de seu personagem de uma maneira que Hayden Christensen apenas sonhou em atingir nos Episódios II e III da saga. O vilão que ele constrói parece, de início, ser uma réplica não muito bem elaborada de Darth Vader para casar com as esperadas homenagens à trilogia original, mas a impressão é rapidamente desfeita quando o público constata que o jovem possui uma espécie de obsessão com Darth Vader e quer garantir a continuidade de seus feitos junto ao Império. A ligação entre eles também fortalece a ideia: Kylo é neto de Darth Vader e filho de Han Solo e Leia.

Driver também acerta ao apresentar outra quebra em relação à trilogia original: no Episódio IV, quando vemos a real face de Darth Vader, ele passa de vilão sem rosto a uma figura fragilizada, que se redime de seus feitos malévolos e encontra o caminho da luz ao fim da vida. Kylo, por outro lado, torna-se realmente assustador quando tira seu capacete e máscara, uma vez que suas expressões trazem a carga exata de loucura, rancor e sede de poder.

Seu potencial como vilão é cristalizado ao unir essas características à sua árvore genealógica, somando ao fato de que ele foi o aprendiz mal-sucedido de Luke. Nunca antes Star Wars havia unido tamanha carga dramática, uma espécie de remix de tragédia grega, a atuações de alto nível (com exceção do trecho final do duelo entre Obi-Wan e Anakin no Episódio III, no qual Ewan McGregor traz emoções genuínas mais complexas). Todas as cenas em que Driver aparece sem máscara são marcantes no filme, em especial a que mais doeu no coração dos fãs: o momento em que ele firma permanentemente seu pacto com o Lado Negro ao matar o próprio pai, Han Solo, após fazê-lo acreditar que ele estaria prestes a se redimir. Sim, isso é tão ruim quanto soa. Sim, seus olhos vão ficar no mínimo marejados ao ver essa cena todas as vezes que assistir ao filme pelo resto da sua vida.

Mas não estamos falando de tragédia grega, e sim de guerra nas estrelas. Logo, esse é um componente que não pode deixar de faltar nunca à saga (como bem o Episódio I nos ensinou). Nesse sentido, “O Despertar da Força” não decepciona: Poe Dameron como piloto e Finn como atirador fugindo em um TIE-Fighter já nos brindam com um primeiro momento de pura aventura divertidíssimo e muito importante para a trama. Os ataques da Primeira Ordem também dão conta de mostrar a capacidade bélica deles, destruindo alguns planetas pelo meio do caminho. Já Rey precisou de apenas alguns minutos para mostrar que é uma piloto à altura de honrar a memória de Han Solo pelo resto da saga.

Falando em Rey, a construção da personagem por Daisy Ridley garantirá que ela seja um modelo ideal de heroína tão ou mais marcante que a Katniss de “Jogos Vorazes” para a grande indústria cinematográfica. Ela apresenta profunda sensibilidade e inocência, assim como grande senso de justiça, mas sem nunca extrapolar para a caricatura. Essas características não soam contrastantes à sua capacidade técnica de pilotar naves, consertá-las e traçar suas próprias rotas de fuga quando necessário, o que é muito interessante por não contrapor razão e emoção, mostrando-a de maneira complexa. Assim como Finn e Kylo, Rey também apresenta uma ruptura por mostrar a aprendizagem do uso da força sob a perspectiva das impressões mentais de um (futuro?) Jedi. Em dois momentos, ela usa a concentração e o relaxamento para melhor dominar suas habilidades, seguindo as “lendas” sobre o modus operandi dos cavaleiros de outras épocas.

Muitos outros pontos podem ainda ser destacados em Star Wars: a trilha que não descamba para a simples réplica das anteriores, o figurino que mantém a continuidade temporal do universo da saga, a fotografia que referencia a trilogia original de maneira mais sensível e inteligente que a trilogia dos anos 2000… Por hora, podemos simplesmente colocar “Star Wars: o Despertar da Força” como uma promessa que se cumpriu da melhor maneira possível: honrando os filmes originais e se pondo em pé de igualdade em termos de qualidade. Nesse ritmo, temos chance de que os próximos episódios até superem o original, quem sabe…