Admirável mundo novo” é uma das falas ditas por Ben Whitaker, personagem de Robert De Niro, em certo momento de “Um Senhor Estagiário” (The Intern, 2015), novo filme da diretora/roteirista Nancy Meyers. A frase pode até apresentar um tom politizado e cínico, principalmente quando a remetemos ao célebre romance distópico de mesmo título escrito por Aldous Huxley em 1932, mas dentro do filme ela casa perfeitamente com a essência na qual se propõe: de debater de forma descompromissada a relação entre o novo e o velho, o moderno e o tradicional, ilustrando o eterno conflito de gerações (e gêneros), no caso entre a juventude e a experiência.

Ben Whitaker é um sujeito à moda antiga, aposentado e viúvo que, cansado de não fazer nada (grande parte da sua vida diária é dedicada a comportamentos metódicos e solitários), resolve se candidatar a uma vaga de estágio sênior da terceira idade de uma empresa de vendas online de grande sucesso, comandada pela jovem talentosa Jules Ostin (Anne Hathaway, uma versão teen cool de Miranda Priestly), uma mulher bem-sucedida na vida profissional, mas distante na esfera pessoal no que tange o relacionamento com a filha e marido. Após ser aprovado, Ben começa a trabalhar diretamente com Jules e é nesta inusitada amizade que Ben ajudará Jules a lidar com suas inseguranças pessoais e profissionais, principalmente quando ela precisa contratar um novo CEO para comandar a empresa.

Desta forma, “Um Senhor Estagiário” é fiel até o último suspiro à fórmula básica de sua diretora, no caso, de trabalhar com temáticas comuns da cinebiografia da sua realizadora, como são os casos de “Alguém Tem Que Ceder” (o seu melhor trabalho até hoje), “Do Que as Mulheres Gostam” e Simplesmente Complicado”. Todos eles, comédias despretensiosas com toques dramáticos que recorrem a temas como a terceira idade e a emancipação feminina diante de contextos claramente masculinos.

Meyers acerta com eficiência o coração do grande público que vai ao cinema apenas para se distrair. Apropria-se de uma relação de amizade e troca de experiências, amarrando-as a situações que simbolizem de uma forma adorável e simpática as situações da vida cotidiana. O roteiro é certeiro por trazer revelações surpreendentes dos personagens em pontos-chave do enredo, quando acompanhamos Jules pela primeira vez no seu ambiente familiar – até então a imaginávamos como uma pessoa solitária – ou quando Ben faz uma revelação sobre a localização do seu antigo lugar de trabalho.

Ele também é hábil em desconstruir a visão da terceira idade que temos no campo profissional, o quanto subestimamos as experiências e conhecimentos dos mais velhos nesta realidade. O enredo também não deixa de trazer para a discussão o papel feminino no mercado de trabalho em tempos atuais. As conduções destas tramas são realizadas de forma delicada e espirituosa pela diretora, que ainda consegue cativar o público ao fazer um dos mais belos filmes sobre amizade dos últimos anos.

Só que, como grande parte dos outros trabalhos de Meyers, não espere aprofundamentos ou dilemas complexos. Se não falta carisma na construção dos personagens, falta complexidade em desenvolvê-los. Isso é evidente quando o roteiro não consegue criar um conflito realmente sério, deixando a impressão de que os desafios dos personagens se tornam maiores (no caso, superestimados) do que realmente são. Exemplos destas situações são o melodrama acima do necessário no terceiro ato do filme, assim como o resgate de um simples e-mail virar uma situação grave, mas que nada acrescenta ao enredo a não ser provocar um humor raso e ingênuo.

É claro que Meyers é esperta em colocar para este debate de gerações, de um lado, Robert De Niro como grande representante da Geração X, o legado mais experiente de Hollywood, e do outro Anne Hathway, a Geração Y, a futura promessa em continuar este legado. A química entre os dois atores funciona e ambos permitem o filme trilhar um caminho agradabilíssimo. Falando em De Niro, o quanto é bom vê-lo em um papel decente depois de ser desperdiçado em diversas outras produções nos últimos anos. Podemos até questionar se Ben Whitaker é um papel merecedor de um ator do calibre dele, mas é inegável o quanto ele domina cada momento do filme, dando uma versatilidade e humanidade ao seu personagem.

É também curioso vê-lo aos 70 anos em um personagem sereno e maduro, diferente daqueles impetuosos e cheios de vitalidade em que se eternizou, em suas parcerias com Scorsese (“Caminhos Perigosos”, “Taxi Driver” e “Touro Indomável”). É como se nosso querido “Bob” De Niro atingisse a paz e tranquilidade necessárias para aproveitar o resto de tempo que o cinema pode lhe oferecer.

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No geral, “Um Senhor Estagiário” funciona como uma versão ingênua e romântica quando comparado ao cínico e debochado “O Diabo Veste Prada”. Tenta atualizar o conflito de gerações e gêneros no mercado profissional dentro do capitalismo selvagem. No campo das ideias até parece um trabalho inovador, mas na prática é previsível e inofensivo. Não é à toa que, em uma determinada cena de bar, a personagem Jules (já bêbada), ao discursar sobre gerações, fala “Como, em uma geração, os homens foram de caras como Jack Nicholson e Harrison Ford para isso”. No fundo, é um diálogo que indiretamente cai como uma luva para De Niro, um dos grandes atores da geração surgida na década de 70 e só o fato de vê-lo na ativa e se divertindo aos 72 anos já vale o ingresso, ainda mais em uma produção leve, longe de ser pretensiosa e apenas preocupada em contar uma boa história.