Apesar do título se referir à garota interpretada por Jéssica Amorim, a estrela de A Menina do Guarda-Chuva é com certeza Danilo Reis. O ator encarna o protagonista Raul em todo seu universo de confusão no último curta-metragem dirigido por Rafael Ramos.

Além de ator e performer, Danilo também é produtor cultural e ainda arranja tempo para estudar a arte de ser palhaço. Atualmente morando no Rio de Janeiro, ele faz parte da turma da Artrupe Produções, integrando o núcleo de teatro e o setor de comunicações da produtora.

Nessa conversa com o Cine Set, Danilo falou sobre a sua carreira, seja no teatro ou no cinema, e especialmente sobre seu trabalho como o protagonista de A Menina do Guarda-Chuva. Confira o bate-papo e aproveite pra ficar de olho nos próximos projetos do amazonense.

Cine Set: Queria que você começasse um pouco falando sobre a sua carreira de ator. Qual é a sua formação e como começou seu trabalho no mundo artístico?

Danilo Reis: Comecei a trabalhar com arte lá em 2011. Costumo dizer que esse início foi um pouco de sorte, porque já no meu primeiro trabalho tive a alegria de participar do espetáculo de um renomado grupo de teatro, o TESC (Teatro Experimental do Sesc). Olha, se você deixar, essa entrevista vai ser somente eu contando essa história, porque me empolgo [risos]. Como a maioria dos primeiros passos artísticos, o meu também foi bonitinho. Resumindo o episódio, escrevi e atuei em um esquete. Ou seja, foi uma estreia dupla: tanto no ofício de ator como de dramaturgo. E fui mesmo muito feliz naquele dia. Estava ao lado de atores que admiro demais e ainda por cima sob a tutela do escritor e diretor Márcio Souza. Ali o bichinho do teatro me mordeu. Nesse mesmo período eu cursava Rádio e TV, e é daí que vem minha formação, que exerci muito pouco, tendo trabalhado apenas na Rádio Jovem Pan por um ano.

Desde que me aceitei/decidi ser artista, não larguei mais. Investi nisso. Daí passei por algumas companhias de teatro de Manaus, participando, inclusive, de importantes festivais; fiz oficinas, cursos, workshops, essas coisas, e busquei me especializar, sempre dividindo a atenção entre a escrita e atuar. Tive a oportunidade de estudar com gente que considero mestres do teatro no Brasil, como Roberto Alvim, da Cia. Club Noir, e Jesser de Souza, do LUME Teatro.

Mas sem dúvida um grande acontecimento nessa minha vida de arte foi a criação da Artrupe Produções. Eu e mais seis amigos somos sócios dessa produtora artística, que abriu caminhos inesperados pra gente. A Artrupe foi um recomeço pra mim e, na verdade, ela tem sido um recomeço quase sempre. Prova disso foi que atuei em A Menina do Guarda-Chuva, meu primeiro trabalho com cinema.

danilo reis a menina do guarda-chuvaCine Set: E como surgiu o convite pra trabalhar no curta? Desde o início você já sabia que seria o protagonista?

Danilo: Não lembro o momento exato em que o Rafael me convidou pra fazer o filme. Quando percebi, já estava tão envolvido, que… Não, espera, não foi bem um convite, foi uma intimação [risos]. E ainda bem por isso tudo.

Eu já conhecia o roteiro do filme, porque na Artrupe a gente lê sempre as coisas um do outro. Pra opinar, discordar, enfim. Então, quando o Rafael disse que eu faria o filme, já sabia que seria o protagonista.

Cine Set: “A Menina do Guarda-Chuva” é a sua primeira experiência em produção audiovisual. Você sentiu muita diferença entre o processo de atuação para teatro e para cinema?

Danilo: O “Menina” é a minha primeira experiência com cinema, mas no começo do ano atuei em quadros para um programa de TV. Lá foi bem diferente, porque trabalhava com humor regional, com estereótipos. E ter feito esse trabalho antes de gravar o filme até me ajudou, porque fiquei mais íntimo da câmera e pude entender um pouco mais do universo de filmagem.

Tem sempre aquelas histórias de que no teatro é tudo maior, que se externaliza mais e tal. Confesso que não sei se são tão diferentes assim. Talvez eu ainda precise de mais vivência cinematográfica pra descobrir isso. Não senti uma diferença gritante, porque de um tempo pra cá tenho acreditado bastante num “viver” o trabalho, atuar em prol de uma vida. Ser e estar, sempre. São princípios da palhaçaria, vertente que tenho me aprofundado desde o ano passado. Acabo levando isso pra todas as minhas atividades e talvez por essa razão eu não sinta tanta distinção entre cinema e teatro no que diz respeito a atuações.

Cine Set: Como foi o processo de criação do Raul? O curta me parece ter uma narrativa meio fragmentada que acho que reflete muito do próprio universo do protagonista. Como foi pra você assimilar esse mundo de confusões do personagem?

Danilo: Tem tanta coisa engraçada pra falar sobre esse processo. Logo no início da pesquisa e do estudo de mesa, decidi uma coisa, que acredito que tenha feito toda diferença pra mim. Como seria a minha primeira experiência com cinema, escolhi que durante algum tempo eu seria o Raul. Na rua, em casa, em todo canto. E fui. Uma semana antes de gravar e na semana das gravações, estive Raul quase que completamente, dia e noite, e isso implicou em várias situações: parei de falar com quase todo mundo, inclusive com minha namorada – quase fiquei solteiro! Numa dessas viagens emudecedoras, encontrei uma amiga no Largo de São Sebastião e não a reconheci. Todo mundo ao meu redor estranhou e me xingou. Achei foi legal [risos]. Foi uma escolha que fiz mesmo, porque eu sabia que, diferente do teatro, eu não teria mil ensaios antes de apresentar. Eu precisava viver. Acredito que isso tenha ajudado. Depois, no set de filmagem estabeleceu-se uma atmosfera que foi construída nessa vivência toda. Outra coisa que fiz foi consultar uma amiga minha psicóloga e juntos conseguimos definir muitas coisas pro Raul. Além disso, o Diego Bauer [outro integrante da Artrupe e da equipe do Cine Set] colaborou bastante numa rápida preparação de elenco, estreitando as relações dos personagens do filme.

Hoje, vendo o curta pronto, percebo que tive com o Raul uma troca sincera, tanto que noto diversas características minhas nele e vice-versa. Considero-o um personagem extremamente psicológico e por conta disso precisei me conhecer pra depois assimilar o mundo dele.

danilo reis jessica amorim a menina do guarda-chuva rafael ramos

Cine Set: A maior parte das suas interações em cena são com a personagem da Jéssica Amorim. Como foi essa relação entre vocês nas filmagens? Vocês já tinham trabalhado juntos antes?

Danilo: Eu e a Jéssica já tínhamos uma relação de amigos muito bonita e durante o filme acabamos nos tornando irmãos. Por conta do silêncio do Raul, quase não nos falávamos durante as gravações, e nem precisou. Estava tudo no olhar, na sensibilidade. Ela é extremamente parceira e essa relação profissional acabou se tornando uma cumplicidade. Eu espero muito que esse tenha sido só o primeiro trabalho que fizemos juntos no cinema, porque ficou um gostinho de quero-mais.

De certa forma, a Jéssica é a oitava integrante da Artrupe – uma agregada. Logo, a gente tem trabalhado constantemente junto, nem que seja direta ou indiretamente.

Cine Set: E em relação ao Rafael Ramos, como era o diálogo entre vocês no momento das gravações? Vocês tinham liberdade pra dar pitaco na hora das filmagens?

Danilo: O Rafael é outro que virou irmão. Um cara extremamente generoso. O “Menina” fluiu como o vento e isso tem a ver com a sintonia em que todos estavam. A equipe inteira queria muito fazer o filme, e isso se dá por conta do jeitão do Rafael, que conduziu o curta como uma verdadeira brincadeira, no melhor sentido da palavra. Agora deu até saudade dos dias de filmagem, olha [risos].

O filme que estreou acabou ficando diferente do que estava escrito. Acho que deve ser assim com muita gente, né? Só que aqui isso aconteceu porque o Rafael ouviu muito a gente. Algumas cenas eu propus e também pude ver a Jéssica propondo coisas. Foi um trabalho consideravelmente colaborativo. Acredito que essa seja uma característica do Rafa. A equipe inteira acabou entrando nesse espírito. Eu, particularmente, gosto muito.

Cine Set: Você já teve experiência no teatro não só como ator, mas também como diretor. Na produção audiovisual, você já pensou em arriscar na direção ou no roteiro?

Danilo: Como falei, também trabalho com a escrita pra teatro. Esse ano até fui indicado ao prêmio de melhor texto do Festival de Teatro da Amazônia, com o espetáculo “Inquietações”. No fundo, escrever é uma coisa que faço bastante. E amo. E sobre direção, dirigi apenas um espetáculo de teatro [Primeiro Quarto] e curti a experiência. Quero mais, mas preciso (me) estudar mais pra voltar a essa função.

A Artrupe tem uma queda muito forte por cinema devido a maioria dos integrantes gostar e querer trabalhar com essa linguagem. Mesmo tendo estado distante das telinhas por um tempo (antes de começar nas artes, não me ligava tanto em cinema), com a criação da produtora eu logo me aproximei. E aí, de cara, tentei escrever roteiros. Tenho tentado algumas coisas e esse ano consegui emplacar um curta com o apoio da Manauscult, que vai ser dirigido pelo Rafael Ramos no ano que vem. Se chama “O Tempo Passa” e aborda uns temas difíceis, como estupro e pedofilia. Espero voltar aqui pra falar mais desse trabalho. Talvez eu atue nele também. Já estou animado.

Agora, dirigir um filme, olha, até que quero. Mas não agora. Ainda preciso comer um bocado de feijão com arroz pra isso. Não vou mentir, tenho algumas ideias pra embarcar nessa área, mas só ideias. Por enquanto, já fico contente se puder atuar e escrever pra cinema.

woody allenCine Set: Falando em cinema, uma curiosidade: você acompanha essa área? Que nomes que te chamam a atenção?

Danilo: Tenho acompanhado. Não posso dizer que sou um cinéfilo, mas tenho meus filminhos do Tarantino, do Woody Allen e do Lars Von Trier [risos].

O Woody é meu diretor favorito, simplesmente por ter feito Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, Zelig, A Rosa Púrpura do Cairo e Blue Jasmine. Gosto muito da crueza e ironia como ele retrata o ser humano. Estou apaixonado por alguns filmes do Richard Linklater… O que é o Boyhood e aquela trilogia romântica [Antes do Amanhecer]? Terrence Malick é outro de quem sou fã. O Lars me chama bastante atenção pelos rompimentos e a forma autoral de lidar com o cinema. Recentemente vi Cidade dos Sonhos do David Lynch e também me identifiquei. Quero ver mais coisas dele. De atores, o Brad Pitt e o Irandhir Santos me inspiram. O Charlie Kaufman é um dos meus roteiristas favoritos.

Cine Set: Queria que você terminasse falando um pouco sobre os seus projetos futuros, e sobre a sua atual experiência no Rio de Janeiro.

Danilo: Nossa, o futuro! Atualmente tenho me dividido entre a Artrupe e uma companhia de teatro que estou cofundando no Rio de Janeiro. Essa última vai estrear dois espetáculos no ano que vem: um baseado em Dom Casmurro, do Machado de Assis, e o outro em O Defunto, do escritor francês René de Obaldia. Essa companhia tem o trabalho pautado na palhaçaria, que, como falei, é a vertente que mais tenho pesquisado… e amado muito. Com a Artrupe tem outras muitas coisas: tem um espetáculo de dança que vou cocriar com a Hamyle Nobre – a ideia é que eu entre com a dramaturgia; estou escrevendo um espetáculo-show pro Sinézio Rolim, com músicas do Cartola e baseado na escrita do Nelson Rodrigues e nas obras de Di Cavalcanti; e vamos rodar dois curtas no ano que vem – o “E Se Essa Estrada Não Levar a Lugar Nenhum” e “O Tempo Passa”. Muito trabalho, o que me deixa animadíssimo.

Estou curtindo muito o Rio de Janeiro, tendo a oportunidade de dialogar com artistas incríveis e acompanhar trabalhos potentes demais. Vim pro Rio com o intuito de estudar, de pesquisar. Até agora tem dado certo. Estou há três meses aqui e esse início foi um reconhecimento de área, mais ou menos. Ano que vem o investimento vai ser mais pesado: quero fazer alguns cursos e vivenciar coisas que sempre desejei no mundo artístico. A ideia é sempre manter esse intercâmbio com Manaus.