Embora os créditos frisem que a história foi baseada em algumas situações reais, a premissa de Deus Não Está Morto parece saída diretamente de uma daquelas correntes que sua tia pode lhe enviar por e-mail ou compartilhar no Facebook. No filme, Joss Wheaton (Shane Harper) acabou de entrar na universidade, e logo na sua primeira aula de filosofia, se depara com o professor Jeffrey Raddison (Kevin Sorbo, ex-Hércules), que ordena que todos os seus alunos assinem uma declaração dizendo que “Deus está morto”, a fim de que sejam aprovados. Joss, cristão, é o único que se recusa a assinar o papel, e é então desafiado pelo professor a provar, em três aulas, que Deus não está morto, agindo como um advogado de defesa e tendo o restante da classe como júri. Na corrente de internet, a estrutura é basicamente a mesma, e, em algumas versões, ainda há um twist ending revelador de que o aluno genial em questão seria o próprio Albert Einstein.

Além do teste de fé de Joss para provar a existência de Deus, o filme ainda investe em histórias paralelas que eventualmente vão se cruzar no final, com personagens que quase sempre podem ser divididos em duas categorias: os ateus malvados e os bons cristãos. É o caso da jornalista determinada e caricata que escreve sobre polêmicas em seu blog (ateia, obviamente), o empresário milionário sem caráter (ateu), a esposa do professor em questão, devota, mas sempre julgada pelo próprio marido (cristã) e a muçulmana que decide adotar outra religião e sofre com as consequências disso (cristã). Intelectuais em geral (ateus) são pessoas arrogantes e prepotentes, como se vê na cena em que um bando de professores acadêmicos humilha a esposa do professor durante um jantar, tratando-a como uma inferior.

A única cristã que recebe um tratamento diferenciado é a namorada de Joss, que, depois de muitas juras de amor e declarações meio psicóticas de “juntos há seis anos, e para sempre”, termina o relacionamento simplesmente porque ele insiste em desafiar o professor, contra a opinião dela. Como, segundo a garota, isso pode arriscar o futuro do então namorado na faculdade (alguém pode lembrá-la que a tal disciplina de filosofia é optativa no currículo dele e não tem esse impacto todo, por favor?), ela simplesmente sai de cena de repente e nunca mais é vista. Ninguém disse que coerência era seu ponto forte mesmo.

Mesmo com essa exceção, são os ateus, além de pessoas de outras religiões e culturas, que são pintados a partir de uma visão estereotipada. É o caso do pai da muçulmana, um homem conservador que, numa das cenas mais constrangedoras do filme, expulsa a filha de casa porque a encontra ouvindo a Bíblia no iPod – e a cena é devidamente embalada ao som de uma trilha sonora gospel que deveria soar dramática, mas só parece mais tosca com o efeito de câmera lenta no filme.

Além disso, vale lembrar que, entre os ateus, aparentemente os únicos destinos possíveis são a punição ou a conversão: e não é à toa que a jornalista descubra, por exemplo, que tem câncer e assim repense toda sua vida até então.

O filme de Harold Cronk, portanto, descreve um universo paralelo em que cristãos são constantemente perseguidos e julgados pela sociedade pelo simples fato de serem cristãos, como se fossem uma minoria ameaçada – mesmo que os Estados Unidos, na verdade, permaneça como um dos países mais cristãos do mundo.

Esse cenário irreal é apenas um dos vários elementos incoerentes de Deus Não Está Morto, que, ao longo de sua duração, vai jogando em cena cada vez mais absurdos. Em certo momento da projeção, em sua defesa de Deus, Joss chega até mesmo a associar a existência de valores éticos e morais à religião, como se as pessoas só agissem certo por conta de ensinamentos cristãos. Em outra cena, o protagonista associa toda a teoria do Big Bang a um versículo bíblico: “E Deus disse: haja luz”.

Um dos maiores problemas do filme está justamente nessa tentativa de explicar a fé através da razão, como se princípios lógicos pudessem ser utilizados para provar a crença de alguém. Particularmente, acredito que a fé não seja pautada por uma conexão intelectual, mas antes espiritual ou sentimental. Terrence Malick, em A Árvore da Vida, por exemplo, não recorre a argumentos científicos para explicar a presença do “divino” que permeia sua obra. E Ang Lee, em As Aventuras de Pi, consegue lidar com sensibilidade com o lado espiritual e a fé de seu protagonista, sem nunca se tornar panfletário.

Apesar de todos esses problemas, Deus Não Está Morto poderia ser interessante pelo menos de um ponto de vista puramente estético ou artístico. Afinal, O Nascimento de Uma Nação, por exemplo, tem seu claro teor racista, que chega a defender o nascimento da Ku Klux Khan, o que por si só já o tornaria desprezível. Porém, é um filme essencial para a história do cinema, por estabelecer praticamente boa parte da linguagem cinematográfica como a conhecemos. Já O Triunfo da Vontade, apesar de ser uma óbvia propaganda nazista, se torna importante não só como registro histórico, mas também por conta de suas inovações estéticas e técnicas, além de ser o marco de uma realizadora mulher em uma indústria até hoje predominantemente masculina.

Problemas ideológicos à parte, obras como as de D.W. Griffith e Leni Riefenstahl são lembradas até hoje por possuírem qualidades artísticas que nos fazem relevar até certo ponto alguns aspectos dos filmes. Mas esse certamente não é o caso de Deus Não Está Morto. Tudo no filme é realizado sem personalidade, sem a menor preocupação criativa. Cada cena parece saída de um telefilme motivacional com uma trilha sonora quase onipresente para tentar emocionar o público. É apenas uma propaganda descarada, que inclusive termina vendendo um produto específico: a banda de rock gospel Newsboys, que aparece no fim do filme reunindo vários dos personagens em seu show. Isso depois de ter passado boa parte da projeção aparecendo em merchandisings descarados, aqui e acolá, à lá novelas da Globo, seja na fala de alguém ou no pôster grudado na parede do protagonista.

No fim das contas, embora com certeza atraia o seu público específico, Deus Não Está Morto mal se caracteriza como filme. Na verdade, é apenas uma produção audiovisual enganosa e sem caráter. Um panfleto, e dos mais malfeitos.

Pôster de Deus Não Está Morto