O novo filme de Gabriela Amaral Almeida, “A Sombra do Pai”, chega aos cinemas nacionais nesta quinta-feira (2). Manaus ainda aguarda um pouquinho: somente dia 16, através do projeto Caixa de Pandora, no Cinépolis do Millenium Shopping. A produção premiada no Festival de Brasília marca o primeiro longa após o elogiado “O Animal Cordial” estrelado por Lucinha Paes, Murilo Benício e Camila Morgado.

Mestre em literatura e cinema de horror pela UFBA (Brasil), Gabriela retorna ao gênero para a história de Dalva (Nina Medeiros), uma menina de nove anos às voltas com o silêncio do pai, o pedreiro Jorge (Julio Machado), que fica mais triste após perder o melhor amigo em um acidente. A irmã de Jorge, Cristina (Luciana Paes), administrava a vida de pai e filha desde a morte da mãe da menina, há três anos. Quando Cristina deixa a casa do irmão para se casar, Jorge e Dalva precisam enfrentar a distância que os separa.

Diego Bauer conversou com a diretora sobre o processo de criação de “A Sombra do Pai”, o cinema de terror nacional e a situação da relação turbulenta do audiovisual brasileiro com o governo Bolsonaro.

Cine Set – “A Sombra do Pai” trata de temáticas pesadas a partir dos olhos de uma criança. Como foi abordar os assuntos levando este aspecto em consideração?

Gabriela Amaral Almeida – Tive que fazer toda uma ressignificação para este universo infantil. A criança sente tudo o que um adolescente ou adulto podem sentir, mas, o universo de referências delas é diferente. O que acabei fazendo foi reescrever um roteiro, somente para mim, excluindo todas as cenas de violência. Isso serviu para encontrar na realidade dela o que representasse a tristeza e a solidão. A personagem Dalva é muito obscura, o que torna difícil tratar tudo isso frontalmente. A partir do momento em que faço isso, também libera a própria sensibilidade da criança. O cuidado que tive foi trazer tudo isso para a Nina e não a exploração do conteúdo do próprio roteiro em si. Tem que ter um cuidado mesmo porque uma criança de oito anos absorve tudo e fiz o máximo para transformar esta experiência em algo leve para ela. E a Nina adorou: ela deu muita luz e alegria ao set.

Cine Set – E ela chegou a ver o filme?

Gabriela Amaral Almeida – Sim, ela já viu sim. A mãe deu a autorização. Hoje, ela está com 12 anos, cresceu bastante e se emocionou demais vendo o filme. A Nina é um ser humano muito sensível.

Cine Set – O teu primeiro longa, “O Animal Cordial”, teve um bom público nos cinemas, recebeu muitas críticas elogiosas, rodou bastante festivais. Gostaria de saber como foi esta repercussão para você.

Gabriela Amaral Almeida – Fiquei bem surpresa. Não que eu escolha, mas, eu faço um título de largada um slasher. Os próprios fãs de terror não chegam a gostar tanto de slasher, trabalhando elementos de violência extrema, muitas vezes explorando o corpo feminino. Porém, meu interesse acabou sendo a possibilidade de reverter estes códigos, mas, ainda é um slasher. Há alguns corpos masculinos que são abatidos, mas, ainda é um slasher com uma personagem feminina que encontra redenção através do sexo. Foi uma grande surpresa a abertura e disponibilidade tanto do público quanto da crítica para desbravar este terreno já tão explorado.

Cine Set – Tem uma característica do teu cinema que eu consigo perceber que é atmosfera: muita coisa fora de quadro, muita sugestão. Até que ponto isso também reflete as condições financeiras de produção do cinema nacional?

Gabriela Amaral Almeida – A escrita de um roteiro se realiza na direção deste roteiro. Fiz a Escuela Internacional de Cine y TV (EICTV) em que a gente aprende a filmar a partir das condições que nós temos e não necessariamente das condições ideais que não existem. Há um documentário maravilhoso chamado “O Inferno de Henri-Georges Clouzot” sobre o processo de criação realizado pelo Clouzot para “L’Enfer” e de como ele perde completamente o controle do filme por conta de uma suposta liberdade de verba que tinha para realizar. É característico do cinema trabalhar dentro de condições, seja quais forem.

Artisticamente, nunca vai ter dinheiro, nem nada suficiente porque isso é uma característica da criação artística. Por conta da minha trajetória – pelos curtas-metragens, da passagem por Cuba – eu já sei escrever dramaturgicamente com o que tenho de dinheiro possível para aquela produção. De largada, eu já penso em uma história que funciona no papel, ou seja, a opção de não mostrar certas coisas e de sugerir mais, vem da narrativa e não da produção. Acho que você pode contar histórias humanas sem necessariamente depender de orçamentos robustos. Eu já escrevo o filme com o que eu posso filmar.

Cine Set – Sim, consigo observar isso porque normalmente se passam em um lugar, mas, com muita coisa acontecendo no entorno e fora do quadro, sempre com a sugestão presente…

Gabriela Amaral Almeida – Isso também é algo muito característico dos filmes de horror e até do cinema como um todo. Porque se você mostra tudo não cria nenhum questionamento para o corte, ficando apenas um desfile de descrição. O cinema não é isso: o que você não conta é tão importante quanto o que você mostra. Esta metonímia é um pilar da construção cinematográfica.

Cine Set – Levando em conta filmes como os seus, “O Animal Cordial” e “A Sombra do Pai”, e também o “Mate-me Por Favor”, da Anita Rocha da Silveira, como você analisa a chegada de diretoras mulheres ao terror, suspense dentro do cinema nacional? Acredita em uma possível revitalização do gênero com estes novos olhares e perspectivas?

Gabriela Amaral Almeida – Não acho que seja um olhar novo porque acho que é um olhar autorizado. Porque parece que, de repente, a sensibilidade feminina se afeiçoou ao horror e não chega a ser isso. Mary Shelly, por exemplo, criou o primeiro monstro do horror moderno e um ícone do gênero, Frankenstein. A diferença de produzir um romance e um filme é grana. Quando se tem dinheiro e hierarquia, a mulher sempre chega com mais dificuldade. Não tem relação com sensibilidade.

A literatura feita por mulheres dentro do terror, suspense é abundante até porque o processo de escrita é, muitas vezes, feito no ambiente doméstico, não precisando de dinheiro. Agora, para você dirigir, precisa ir para fora do seu lar, onde você precisa de respeito, mexendo com questão técnica, especialmente, em narrativa de gênero, algo que, culturalmente, é afastado da mulher. O que vejo hoje é que ainda há poucas mulheres e, quando ainda estivermos sendo citadas como exceções, significa que continuamos em um cenário bem instável.

Óbvio, porém, não dá para negar que, com muita persistência, a gente consegue sair do literário para também dominar esta narrativa no cinema. Que venham mais!

Cine Set – Por fim, gostaria de saber de você sobre este momento da Ancine não dando continuidade a uma política claramente comprovada como rentável.

Gabriela Amaral Almeida – Perseguição ideológica. Ele (Bolsonaro) está potente, reunindo pessoas através de pensamentos. Todo governo autoritário e receoso do pensamento livre, da reflexão vai atacar as fogueiras de conhecimento e geração de pensamentos. Por ser uma arte coletiva, o cinema se torna perigoso para este tipo de governança. Estamos engajados para uma resposta alta, presente e volumosa da classe artística contra este absurdo. E não se engane: este é um reconhecimento torto de como o cinema está forte. Os nossos filmes estão no mundo inteiro e a gente precisa revidar, entrar na luta contra o obscurantismo e burrice deste governo.

SERVIÇO

Filme: “A Sombra do Pai”

Direção: Gabriela Amaral Almeida

Elenco: Nina Medeiros, Júlio Machado, Lucinha Paes, Rafael Raposo

Estreia em Manaus: 16 de Maio

Onde: Cinépolis Millenium Shopping – Projeto Caixa de Pandora