Era uma vez… O filme independente que contava a história de um assassino que matava babás na noite do Dia das Bruxas americano, um típico conto para uma noite em volta da fogueira cuja simplicidade foi a principal razão para que ele se tornasse um marco do gênero terror e um grande sucesso de público. Mas sobre essa historinha simples e este filme recaiu uma terrível maldição. A maldição do termo da moda: franquia.

Foi o que ocorreu com Halloween: A Noite do Terror (1978), filme do cineasta John Carpenter. Sem querer, Halloween iniciou a onda dos filmes slashers, de matança, pela década de 1980, e o próprio assassino mascarado do filme de Carpenter, o Michael Myers, virou astro igual aos seus colegas matadores de adolescentes Jason e Freddy Krueger. Pelas décadas de 1980 e 1990, o público viu Michael Myers voltar em filmes que, aos poucos, complicaram a receita simples de Carpenter. Primeiro, inventaram que o vilão e a heroína do primeiro longa, a Laurie Strode, eram irmãos. Depois, que ele queria matar a sobrinha. E que era dominado por um culto. E vieram sequências que ignoravam o que veio antes, e também o polêmico remake em 2007, comandado pelo cineasta e roqueiro Rob Zombie.

Halloween, a franquia, com o tempo virou bagunça. E Halloween, este novo filme de 2018, busca justamente acabar com a bagunça e resgatar a simplicidade do original de 40 anos atrás. Desde que o projeto foi anunciado, os roteiristas Danny McBride e David Gordon Green – este último, também o diretor – deixaram claro que o novo filme ignoraria tudo o que veio depois e seria uma sequência direta do original de Carpenter. E com sua proposta, conseguiram trazer para o filme o próprio Carpenter – como produtor executivo e compositor da trilha sonora – e a icônica Jamie Lee Curtis, para reviver a sobrevivente Laurie Strode.

Laurie é o maior gancho deste novo Halloween. Quando a encontramos no filme de Green, ela está morando numa verdadeira fortaleza. Na ótima interpretação de Curtis, parece que a noite traumática de 40 anos atrás acabou de acontecer: solitária, ela viu sua relação com a filha Karen (Judy Greer) ser destruída, e se mostra incapaz de voltar à família e conviver com a neta Alysson (Andi Matichak). De fato, ela virou a louca da cidade… Só esperando a morte de Michael Myers, ou a sua fuga. E é a última opção que acontece quando uma equipe de jornalistas de um podcast britânico decide visitar a instituição onde o maníaco ficou preso e catatônico durante todo esse tempo. Após escapar, Michael retoma sua icônica máscara e parte de volta à sua cidade natal. Mas desta vez, Laurie está esperando…

Grande ideia, não é? Sim, é. Mas de grandes ideias o sanatório de Smith’s Grove está cheio… Green e McBride exibem uma verdadeira fetichização pelo filme de Carpenter, a ponto de trazer de volta alguns dos seus elementos – o Michael Myers original, Nick Castle, aparece de relance como o personagem envelhecido e sem máscara no começo do longa, e o Halloween 2018 tem um plano-sequência porque o original também tinha. Quando o novo psiquiatra de Michael dá as caras na cidade de Haddonfield, Laurie o chama de “o novo Loomis”, fazendo referência ao personagem de Donald Pleasence no original. E há outros exemplos.

Mas, claro, os tempos são outros e o novo Halloween é desconjuntado no inicio e não tem a meticulosidade da construção do antigo. Já que o filme de 2018 convida a comparações com o original, então vamos lá. O plano-sequência de Carpenter ditava o tom da história e era uma façanha para a produção de baixo orçamento; já o de Green vira uma referência e uma gag com final explícito. Apesar de toda a reverência, o Michael Myers paciente e sinistro do original não aparece aqui; o vilão deste novo filme é máquina de matar a que nos acostumamos com o passar das décadas. Todo o estado psicológico de Laurie é exposto na cena do jantar em família, que dura uns 5 minutos e é um dos momentos mais estranhos e mal montados vistos num filme em 2018 – Parece que o diretor conseguiu filmar por todos os ângulos possíveis e quis demonstrar isso na hora da montagem, e Curtis merece prêmios por conseguir extrair um pouco de drama ali. Enquanto isso, o filme de Carpenter gastava boa parte da sua primeira metade estabelecendo a personalidade de Laurie e suas amigas…

Aliás, os adolescentes de 2018 são sem personalidade e tomam atitudes idiotas para fazer a trama funcionar nos seus termos. Alguns dos adultos também. Halloween repete os vícios de qualquer Sexta-Feira 13, com personagens aparecendo por breves minutos apenas para serem mortos, e alguns momentos de humor nele parecem pertencer a outro filme. E o roteiro ainda possui outro sério problema: uma reviravolta que prepara o terceiro ato é, além de previsível, tão ridícula quanto algumas das bobagens das sequências que McBride e Green nos disseram para esquecer. Ainda se tivessem feito um filme realmente superior a elas…

De fato, Halloween de 2018 acaba nos fornecendo oportunidade de relembrar uma dessas sequências… Não sei se você se recorda, leitor, mas já tivemos uma revanche entre Laurie e Michael, foi em Halloween: 20 Anos Depois (1998). Hoje em dia é um filme meio datado, produto da imediata era pós-Pânico, e não tão polido quanto o de Green, mas sinceramente, tinha um desfecho mais satisfatório. Há algumas boas ideias espalhadas no longa de Green e sem dúvida os 15 minutos finais dele são gratificantes, quando Laurie finalmente enfrenta seu inimigo e faz a plateia vibrar com uma grande demonstração de poder feminino. Mas só isso não basta. Apenas ter uma protagonista feminina forte não adianta se ela está cercada de problemas de roteiro e personagens e situações rasas e clichês. E 20 Anos Depois teve a coragem, na época, de tentar encerrar a franquia; já a cena final cínica de Green deixa aberta uma possibilidade de continuação.

No fim das contas, este Halloween é praticamente o Jurassic World (2015) da sua franquia. Vive de nostalgia, tem muito fanservice, passa quase o tempo todo remetendo a um filme superior. Uma pena, pois parecia que os cineastas por trás dele estavam preparando algo especial. A maldição continua, a franquia provavelmente vai seguir viva (deveria?), e Halloween 2018, apesar de toda banca que botou em cima das malfadadas continuações e reboots, é só mais um Halloween. Ao menos a trilha sonora de John Carpenter realmente é a melhor desde a do original…