Leos Carax não é o primeiro nem vai ser o último diretor a homenagear o próprio cinema ou explorar sua relação com o mundo dos sonhos, mas tá pra nascer alguém que faça isso de uma forma mais divertida e com mais abandono formalístico que ele: “Holy Motors” (2012) é um filme que não respeita gênero e está pouquíssimo interessado em ser aquilo que o espectador quer ou espera.

Típico exemplo do francês arretado (estamos falando com você, Gaspar Noé), Carax não teme controvérsia – seu filme anterior, “Pola X” (1999), falava de um caso de amor incestuoso. Os 13 anos que o separam de seu sucessor não amainaram o diretor, mas o imbuíram de uma vontade de colocar mais ingredientes em seu cinema.

Como resultado, “Holy Motors” tem de tudo um pouco: o filme atira para todo lado e você ganha pequenos segmentos de ação explosiva, filme de espionagem, cinema surrealista, romance, drama familiar, números musicais e até uma desconcertante sequência em efeitos digitais.

O que nos traz à trama do longa, que é mais ou menos essa aqui:                 . Sério agora: acompanhamos um homem, chamado apenas de Oscar (Denis Lavant) que, dentro de uma limusine conduzida por sua ajudante Céline (Édith Scob), desempenha uma série de atividades no que parece ser um dia comum em Paris. A cada “missão”, por assim dizer, Oscar é obrigado a se fantasiar e se passar por diversas pessoas e cada uma delas poderia ser um curta em seus próprios termos.

Essa estrutura permite Carax ignorar maiores desenvolvimentos narrativos (a motivação e a natureza das atividades de Oscar nunca são esclarecidas) e se concentrar em exercícios de estilo que parecem enaltecer a multiplicidade de efeitos que o cinema pode proporcionar. O diretor faz o máximo para aproveitar o que seus gêneros podem fazer pelo filme e os resultados são sensacionais: em um segmento, o Sr. Merda, personagem principal de um curta de 2008 de Carax, reaparece e sequestra Eva Mendes de uma sessão de fotos; em outro, Lavant encontra uma antiga amiga/amante interpretada por Kylie Minogue (!) e temos uma cena recheada de amargura (com música e tudo, no melhor estilo musical); em outro, uma perseguição dentro de um estúdio de captura de movimentos acaba virando uma aventura erótica, em um comentário direto do roteiro sobre a digitalização da luxúria humana.

Carax conduz o filme de forma frenética, de forma que nunca ficamos em um cenário durante muito tempo, enquanto Lavant merece todo o crédito do mundo por se doar a esse(s) personagem(ns) de uma maneira quase febril. Conhecido pela fisicalidade de seus papeis (e pela parceria de longa data com o diretor), o ator francês vai do maníaco ao introspectivo em segundos, e pula, vocifera e se debate a comando. Na cena com Eva Mendes, ele tem um surto que o faz ricochetear pelo cenário e se acalma, nu em pelo, ostentando uma ereção, no colo da mulher sequestrada: a sequência é bela, terrível e impressionante de se ver.

O início do filme, que mostra um homem acordando e se dirigindo a um cinema, explicita a ligação da sétima arte como uma fábrica de sonhos – David Lynch usou artifício parecido em seu “Cidade dos Sonhos” (2001) – e seu final agridoce é um comentário pungente sobre a passagem do tempo e a posição do artista com relação a ela.

São nesses toques sutis que Carax deixa passar as mensagens mais profundas: ele nunca é professoral e, por mais cabeçudo que “Holy Motors” seja, há um subtexto emocional sempre próximo da ação dos personagens e uma vontade sincera de surpreender sempre.