Nos primórdios da era clássica cinematográfica, o Western era um dos gêneros mais populares da sétima arte, devido o número considerado de produções realizadas em Hollywood. Sua influência era tanta que ele ficou conhecido como o cinema americano de qualidade, responsável em criar alguns “cavalos de puro sangue” na direção como John Ford, Howard Hawks Anthony Mann, Don Siegel e Sam Peckinpah, além dos carcamanos cascas grossas como Sergio Leone e Sergio Corbucci, responsáveis pelo famoso Western Spaghetti na Itália. E se não fosse pelo gênero, também não teríamos os “Cowboys” como John Wayne, Clint Eastwood, Terence Hill e Franco Nero para nos hipnotizar.

Infelizmente, dos anos 80 para cá, os westerns se tornaram praticamente residuais. Alguns analistas creditam isso ao fracasso comercial retumbante de Portal do Paraíso (1980) de Michael Cimino como um dos fatores iniciais pelo seu declínio. Hoje, são os super-heróis de quadrinhos que ocupam o espaço mítico de heroísmo no imaginário cinéfilo que em outras épocas pertenceu aos Cowboys. Mesmo produzido em passos de tartaruga ou definhando como um Walking Dead, o gênero tem nos últimos anos, lançados ótimas produções como são os casos do violento Rastros da Maldade (2015), o épico Terra Violenta (2016) e os pops Django Livre (2012) e os Oitos Odiados (2016), ambos de Tarantino

Hostiles de Scott Cooper talvez não tenha a envergadura das obras citadas acima, ainda que se revele um Western digno e da raiz, mesmo na sombra dos grandes clássicos que o segmento já ofereceu. Joe Blocker (Christian Bale) é um Capitão da Cavalaria Americana encarregado a contragosto, a realizar uma última missão de transportar o moribundo Chefe Cheyenne Falcão Amarelo (Wes Studi, do épico Os Últimos dos Moicanos) e sua família da prisão em Novo México ao Vale dos Ursos para que ele possa viver os últimos dias de vida.

Joseph carrega um grande ódio em relação ao chefe tribal devido os conflitos no passado que o ajudaram no seu endurecimento em razão da violência e crueldade extremam da guerra entre índios e brancos. Durante sua missão, o grupo liderado por Blocker resgata Rosalie Quaid (Rosamund Pike), uma mulher que perdeu esposo e filhos para outra tribo indígena, os selvagens Comanches.

Hostiles é bem simples no conceito “westerniano”: temos os diversos personagens (militares, civis, índios selvagens e pacíficos) que terão que lidar em parte com seus ressentimentos, preconceitos e traumas para se unirem e garantirem sua sobrevivência. Cooper valoriza tanto no seu texto quanto visualmente, os dramas dos seus atores sociais, sempre através de um olhar intimista e niilista. Por isso, Hostiles abraça o tom mais desolador de O Homem que Matou Facínora (1962) e Os Brutos que Também Amam (1953) do que os confrontos épicos dos clássicos de Leone e Corbucci.

Realmente a produção não tem a grandeza de que se espera dos clássicos de Western e também pouco explora a roupagem dinâmica revisionista de Django de Tarantino ou a série Westworld, mas Cooper honra o gênero com sua saga repleta de seriedade, bem realista e sóbria na sua narrativa. Entre os tiroteios e as cavalgadas, temos momentos bem filmados que exploram paisagens magníficas e planos contemplativos que capturam a grandeza misteriosa do Oeste Americano, através da belíssima fotografia de Masanobu Takayanagi (vencedor do Oscar por Spotlight, 2015), e que ganha ressonância no intimista score musical de Max Richter (de Valsa com Bashir, 2007). Se há elementos que edificam o filme, a sua produção audiovisual é uma das fortalezas que brilham por lançar um olhar amplo sobre o tom épico de faroeste.

O fato é que Scott Cooper mostra-se um bom realizador para encenar temáticas pesadas e violentas, como vistas nos seus três trabalhos anteriores Coração Louco, Tudo Por Justiça, ainda que não tão habilidoso em desenvolvê-las. Se há bons acertos narrativos no longa-metragem é sua vertente dramática. O próprio título do filme, estabelece a atmosfera trágica do filme, com personagens melancólicos e embrutecidos frente ao ambiente hostil, que transmite a sensação de abandono e esquecimento, pelos anos marcados pela violência.

O texto expõe na sua proposta, a crítica ao genocídio do povo indígena americano, das marcas da violência deixada por anos de opressão do homem branco e da própria desconstrução do ódio como aprendizado para a descoberta pessoal e possível redenção. Fica a impressão de que o roteiro de Cooper tem boas prerrogativa nos argumentos, mas suas escolhas ganham uma forma inautêntica, pela falta de boas reflexões dramáticas, até porque as transformações de Blocker durante sua jornada no filme não são claras ou ganham justificativas emocionais convincentes para as mudanças comportamentais depois de anos imerso no seu preconceito.

Uma pena que o roteiro também ignore por completo os personagens nativos, os reduzindo-os a um espelho do homem branco, sem grande complexidade, próximos de figurantes. Tudo isso torna, o filme um tanto simplista na sua crítica social, diminuindo sua experiência como um todo, com personagens que não saem da casca. É como se Cooper oferecesse questionamentos, sem representá-los adequadamente em relação aos seus significados.

Independente das suas inconsistências, atos e intenções pela metade, Hostiles tem sua valências por explorar – principalmente visual – o tom amargo do western clássico, de abordar os arcos emocionais e dramáticos dos personagens, e aqui vale fazer uma ressalva pelo elenco equilibrado, em sintonia com os veteranos Christian Bale, Wes Studi e Rosamund Pike que entrega a dramaticidade necessária as suas figuras históricas, além de contar com as jovens promessas do cinema atual no casting secundário como Jesse Plemons, Timothée Chalamet (indicado ao Oscar de ator principal neste ano por Me Chame Pelo Seu Nome) e o ótimo Ben Forster. Hostiles funciona como um Western de raiz digno, com seus momentos solenes e alimenta os corações órfãos dos fãs de um bom faroeste, mesmo com suas imprecisões.