Um sopro de vida, ainda que pútrido e gélido como o de um monstro fantástico, percorre o cinema amazonense por esses dias: o do thriller Jiupá, do diretor Márcio Nascimento. A provar que ele não estava brincando em seu fascínio pelo estilo – na verdade ele estava, já que seu último filme, Brechó (2015) é claramente humorístico em seu uso de elementos trash –, Nascimento deixa de lado a ironia e tenta produzir um exemplar local ambicioso, com direito a maquiagem elaborada e uso de computação gráfica.

Com uma narrativa em forma de fábula, o curta apresenta a história de Kiara (Bitta Catão), uma indígena que dá à luz a um filho cego, Anauê (Geilson Assis, quando criança, e Diogo Lemos, na juventude), que ela crê ter sido amaldiçoado por erros passados. A chance de redenção surge na figura de Jiupá (Arnaldo Barreto, num bom trabalho de expressão corporal), um ser de aspecto monstruoso que vaga pela floresta e lhe oferece um acordo: ele pode devolver a visão à criança, conseguindo assim o fim do seu próprio martírio como andarilho, mas Kiara não pode, em hipótese alguma, contar para alguém sobre esse acordo.

Dá para imaginar fácil o que vai dar errado pelo resto do filme, mas Jiupá vale menos por viradas inesperadas do roteiro ou pelo trabalho artificial e duro do elenco – dois problemas que qualquer leitor de críticas sobre o cinema local pelo Cine SET já anteciparia –, do que pelo apuro visual de Nascimento. O cenário é o distrito de Paricatuba, na cidade de Iranduba, interior do Estado, e locação favorita dos bravos realizadores do terror local, por suas famosas ruínas e seus bolsões de mata fechada.

Com o auxílio do diretor de fotografia Thiago Morais, Nascimento desenvolve o olhar afiado já visto em Brechó para a composição das cenas – a sequência em que Kiara aparece para testemunhar a visão de Anauê sendo restaurada é um dos destaques, assim como a da nova perda desse sentido pelo rapaz –, e mesmo os esforços de baixo orçamento para construir um monstro maquiado, ou aplicar um verniz de CGI a algumas cenas, são mais caprichados e ambiciosos do que é padrão para os curtas amazonenses, e até mesmo brasileiros.

Trazendo ainda a montagem suave e enxuta de Anderson Mendes (também produtor executivo do curta), Jiupá é um dos esforços mais sérios e bem-acabados do terror amazonense recente. Tivesse um enredo um pouco mais original e bem-resolvido (o último ato, especialmente a revelação sobre Tucauã [Anderson Kary], é apressado demais), capaz de permanecer mais tempo na memória, e seria um marco para a produção magrinha do cinema amazonense em 2018. Do jeito que está, é um trabalho simpático, importante na construção da incipiente filmografia de terror local, e uma evolução dentro da carreira de Márcio Nascimento. Tomara que ele insista no estilo, e evolua muito mais a partir desse filme promissor.