Em entrevistas sobre o seu novo filme, “Crimson Peak”, o diretor Guillermo del Toro fala sobre a atmosfera gótica do longa e o anuncia como um tentativa de honrar clássicos do gênero, como “A Profecia” (1976) e “O Iluminado” (1980), os quais ele cresceu assistindo. Esses filmes partilham o investimento de grandes estúdios, o envolvimento de talento de peso e o fato de que simplesmente não existem mais.

Com a proliferação de franquias “no budget”, desencadeadas pelo sucesso estrondoso de “A Bruxa de Blair” (1999) – em si, um bom filme, mas cujas consequências dúbias são sentidas na indústria até hoje –, simplesmente perdemos blockbusters que dialogavam com uma audiência madura e tocavam no que fazia nosso coração bater mais forte.

o exorcista william friedkinUma das joias da época em que isso ainda era feito é o sensacional “O Exorcista” (1973), de William Friedkin, que, até hoje, é o único terror a ter concorrido ao Oscar de Melhor Filme (na época em que só eram cinco indicados, tá!?) e, por isso, é sinônimo (junto com “A Profecia”) da defunta estirpe do “terror de pedigree”.

Há óbvias conexões entre o desenvolvimento de conteúdo cultural de caráter amedrontador e grotesco e baixos níveis de produção: isso vem desde a literatura ao teatro, com o sucesso dos “penny dreadfuls” e da ubiquidade de teatros de segunda categoria que exibiam peças de horror.

Porém, como Drácula e Frankenstein um dia o fizeram, alguns elementos dessa cultura penetram na esfera da dita “high art” de vez em quando e acabam fazendo história – o que foi o caso d’O Exorcista. Estava tudo no lugar: o filme era da Warner Bros. (com seu logo bonitão nos créditos, sem vergonha, e não o de algum braço afiliado a filmes B, como é moda hoje em dia); dirigido por Friedkin, fresquinho de seu sucesso “Operação França” (1971), que lhe rendeu uma estatueta de Melhor Diretor; estrelado por Ellen Burstyn, que já tinha sido indicada ao Oscar a essa altura; tinha um puta valor agregado junto aos críticos cult com o papel importantíssimo reservado ao ator sueco Max von Sydow; e era baseado num best-seller.

Claro, tudo isso iria por terra caso o filme simplesmente não funcionasse e assustasse. E como assusta: mais de 30 anos depois, é certo que o cinema nunca esqueceu a possessão da menina Regan MacNeil (Linda Blair) e na tragédia que ela acarreta na vida de sua mãe, Chris (Burstyn).

» Leia mais: 5 filmes que poderiam estar nas próximas sessões do Clássicos Cinemark

Por mais que estejamos lidando com um subgênero relativamente estabelecido (filmes de possessão demoníaca), o diretor é sábio em jogar fios narrativos diversos e coerentes, que nos dão um escopo maior da natureza do terror que aflige as personagens e, assim, nos tirando da unidimensionalidade que, por vezes, sufoca produções do gênero.

o exorcista regan macneil linda blairCom isso, ganhamos traços distintos de outras verves cinematográficas. Temos um drama doméstico (levado ao ápice por Burstyn) de uma mãe com risco de perder a filha, temos um terror de casa mal-assombrada, com os efeitos que o demônio causa na residência das MacNeil, e também temos um filme existencialista que gira em torno do padre Karras (Jason Miller), que perdeu sua fé após a morte da mãe.

Cenas antológicas e tecnicamente desafiadoras como a descida de escadas e a girada de cabeça de Regan, bem como o confronto do demônio com o personagem-título (von Sydow), são satirizadas até hoje e detalhes da produção, como mortes no set e o notável estado de fragilidade demonstrado por Burstyn e Blair após as filmagens só reforçaram o misticismo de seu tema e o fincaram no consciente coletivo de forma irreversível.

Para além dos sustos, o trunfo d’O Exorcista é conseguir dar uma atmosfera humana às atrocidades que acontecem aos personagens, basicamente por ter algo cada vez mais raro: um roteiro que faz que nos importemos com eles. Em um tempo em que temos subgêneros como o “pornô de tortura” (mais info: ver “Turistas” ou “O Albergue”), em que corpos são mutilados a granel só pela panaceia, está permitido sentir saudade de um filme que fez o mundo se assustar por conta de um garota em apuros. E boa sorte a Guillermo del Toro ao tentar trazer isso de volta.