Em sua ainda curta carreira, o mexicano Alejandro González Iñarritú já decupou a proximidade entre a vida e a morte das mais diversas formas – da sua trilogia depressiva ‘Amores Brutos’/’21 Gramas’/’Babel’ ao denso ‘Biutiful’. No ano passado, o cineasta surpreendeu com ‘Birdman’, um filme que, ainda que diferente em termos estéticos e narrativos dos seus anteriores, também trata, à sua maneira, do ato de “viver para não morrer”. Agora, ele amplia eleva essa temática à máxima potência com “O Regresso”, épico à moda antiga e feito para ser degustado na tela grande.

A história real do expedicionário Hugh Glass já é fantástica por si só: atacado por um urso e abandonado pelos companheiros de missão, ele consegue sobreviver e retorna em busca de vingança. Nas mãos de Iñarritu e do colaborador Emanuel Lubezki (‘Chivo’, para os íntimos), a narrativa ganha corpo e um visual fantástico, que é (junto com as atuações, que falarei mais sobre daqui a alguns parágrafos) o grande atrativo desse filme indicado a 12 Oscars.

A força da natureza

Assim como foi com “Birdman”, a fotografia assinada por “Chivo” confere a “O Regresso” ares de obra-prima. Aliado a uma profundidade de campo impressionante e filmando com apenas a luz natural, ele confere ao filme de Iñarritu um ar soturno, ameaçador e solitário.

O sol da jornada de Hugh Glass é sufocante, enquanto a floresta que o cerca é imprevisível. O cinza predomina nas quase três horas de projeção, acentuando a agonia e a incerteza da história. Finalmente, a neve das lentes de Chivo é uma moldura para um banho de sangue de fazer o igualmente ‘frio’ “Os Oito Odiados” ficar pálido, em comparação. A complexidade do trabalho de Lubezki deve lhe render seu terceiro Oscar seguido em algumas semanas.

A parceria com Chivo não foi o único legado que o filme do “homem-pássaro” rendeu a esse novo trabalho de Iñarritu. Escolado após o falso plano-sequência que regeu toda a história protagonizada por Michael Keaton, o mexicano volta a usar a técnica com sucesso, desta vez em uma longa e espetacular cena de batalha logo ao começo do filme, cujo ritmo lembra bastante a igualmente brilhante abertura de “O Resgate do Soldado Ryan” (1998). Mais uma vez, temos o apoio de Lubezki, que transforma as imagens em uma verdadeira experiência além do sangue derramado na tela.

Falando em sangue, outra cena especial é o já infame ataque de urso que Glass sofre. Feito de CGI, o animal parece sair da tela no momento em que se joga contra o personagem de DiCaprio. Mais uma vez, Iñarritu abre mão dos cortes na cena e nos entrega seis minutos ininterruptos de angústia pura. No lugar da trilha sonora (que em outros momentos dá carga épica à película), o som é o nosso norte. Em um filme de poucos diálogos, aliás, os quesitos sonoros são certeiros, sobretudo nos momentos em que acompanhamos a solitária jornada de Glass.

DiCaprio marcha rumo ao Oscar

Angústia, aliás, é o que se segue por todo o resto da narrativa e isso não se deve apenas aos aspectos técnicos. Em vias de (finalmente!) receber o seu primeiro Oscar, Leonardo DiCaprio capitaneia a história com maestria e uma entrega impressionante. Sem muitas falas, ele usa os olhos para converter medo, coragem e sede de vingança. Não é a melhor atuação dele, na minha opinião (gosto mais de ‘O Lobo de Wall Street’ e ‘Prenda-me Se For Capaz’), mas é inquestionável a maturidade artística que “Leo” tem alcançado. Se os filmes com Scorsese não te convenceram, “O Regresso” certamente vai cimentar o nome do ator no panteão dos grandes, independente de Oscar.

Com um personagem que poderia pender para a caricatura, Tom Hardy é outro que brilha no filme de Iñarritu. Caso não visse o nome dele no cartaz, não saberia que era ele o cruel Fitzgerald. Isso acontece graças à habilidade do britânico em desaparecer nos papeis que interpreta. Em “O Regresso”, Hardy é o símbolo de tudo o que há de mais desprezível, e a forma com que ele vive Fitzgerald cimenta isso. Fechando o elenco principal, temos o onipresente Domhnall Gleeson, cada vez mais seguro.

“O Regresso”, no entanto, não é perfeito. O filme peca ao ter um ritmo irregular e ao alternar presente e passado com flashbacks que parecem forçar a história a ter um “coração”. Ainda assim, o visual deslumbrante e a técnica impecável me imergiu na saga de Glass de uma forma tão intensa que, no clímax ‘faroéstico’ do filme, eu já não sabia que estava há tanto tempo no cinema. De uma forma diferente, o cineasta mexicano voltou à dicotomia “vida e morte” e nos levou a uma viagem ainda mais louca que a de “Birdman”.

Leo, espero que você já esteja preparando seu discurso, porque dessa vez não escapa. Vocês também, Chivo e Iñarritú.