Aviso: Este texto contém alguns SPOILERS de Star Wars: Os Últimos Jedi.

Nestas últimas semanas eu li mais artigos (muitos deles extensos) sobre Star Wars: Os Últimos Jedi do que textos sobre Trump ou sobre a política brasileira. Busquei vários deles, sim, mas muitos simplesmente inundaram a minha timeline. Tá bom, eu sei que sou uma gota no oceano da internet e que não represento nada de um ponto de vista estatístico. Mas… Pense nisso, caro leitor. Não deve ser exagero dizer que podem, sim, existir tantas análises textuais sobre esse filme, disponíveis online, quanto textos sobre assuntos, digamos, mais “úteis” e “importantes” para a vida.

Li de tudo sobre esse filme. Textos que chamavam Os Últimos Jedi de “o melhor filme da saga desde O Império Contra-Ataca”. E outros que o chamavam de pior filme Star Wars de todos os tempos. Tudo muito oito ou oitenta. E li tanto textos bem escritos e com pontos de vista válidos, quanto textos rasteiros e contaminados pelo “fanatismo” – mais sobre essa palavrinha em breve. Tanto dentre os contrários ao longa como daqueles a favor.

Até discuti com meu irmão sobre esse bendito filme. Para ele, é o pior Star Wars já feito, cujo “plot” (A trama, tá, pessoal? Foi o termo que ele usou) envolve uma nave sem combustível (ignorando as vezes na franquia em que isso foi mencionado); cujos mistérios estabelecidos no filme anterior são destruídos com certa dose de descaso pelo espectador (ele queria saber de onde veio o Snoke e a Primeira Ordem e ficou na saudade, e segundo ele parece que Rian Johnson e J. J. Abrams não bateram um papo para combinar umas coisas antes); e que faz um belo de um “Número 2” sobre o legado da saga e do icônico Luke Skywalker (O herói da trilogia clássica ia matar seu aprendiz enquanto dormia? F*****, Rian Johnson!).

[Suspiro].

Bem, eu compreendo o ponto de vista dele sobre algumas dessas questões. Compreendo que alguém possa ficar louco da vida com alguns momentos do filme. Compreendo, mas não concordo. Ah, ele é tão fã da saga que é defensor da trilogia prequel, então isso já deve dar a vocês uma pista sobre a visão dele.

Sinceramente, pessoal… Já deu tempo para a gente se acalmar, né?

Bem, quanto a mim, preciso deixar claro que gostei do filme, embora acho que ele tem, sim, um bom número de problemas – não aqueles mencionados lá em cima. Se fosse dar uma nota, na escala usada aqui no Cine Set, provavelmente daria um 8, um pouco acima dos 7,5 que dei para outros blockbusters de 2017 como Mulher-Maravilha e It: A Coisa. Ah, e quem me conhece sabe que nem sou grande fã de Star Wars. Gosto da saga, em geral, mas nunca fui maluco por ela.

Mas talvez esse seja o ponto.

O fato é que toda a experiência e repercussão de Os Últimos Jedi me ajudou a colocar essa minha concepção de fandom sob uma nova ótica. Eu sou, sim, fã de várias coisas na cultura pop. Amo Marvel e DC, e sim, é possível – e até recomendável – gostar das duas. Ambas produziram grandes obras nos quadrinhos, e também uma boa dose de porcarias. Amo Senhor dos Anéis e a imaginação de Tolkien – mais do que a sua escrita propriamente dita. Amo Game of Thrones, Stephen King,  James Bond. Amo Star Trek. E várias outros fenômenos da cultura de massa…

E, no entanto, junto a todos esses pilares da cultura pop – à qual, repito, não me considero imune de jeito nenhum, afinal amor pelo cinema também envolve diversão – existe o ranço do fanatismo, hoje amplificado pela internet. O mesmo fanatismo que levou gente a querer boicotar Daniel Craig como 007 só porque o cara era loiro; que levou as atrizes e o diretor de Caça-Fantasmas de 2016 a serem execrados no maior exemplo de misoginia nojenta que se viu em tempos recentes; e que leva muitos a querer “estrangular o bebê no berço”, como no caso da nova série de Star Trek: Discovery, detonada antes mesmo de estrear, inclusive por ter um elenco diverso – muita gente, incrivelmente, esqueceu que diversidade faz parte do cerne de Star Trek há 50 anos…

Eu entendo: fã cresceu com essas coisas. Sente posse delas. Tem sentimento envolvido. Quando se vê alguém mexendo muito com as coisas da sua infância, a parte reptiliana do cérebro de muitos, aquela irracional, começa a agir. Mas a palavra-chave aí é infância. A frase de Kylo Ren “deixe o passado morrer, mate-o se precisar” sintetiza justamente uma ideia que a nossa sociedade, vítima de obsessão com a juventude e por uma infância tardia alimentada por grande parte da cultura de massa, incluindo Star Wars, não deseja ouvir. Até discordo de algumas opções narrativas de Rian Johnson, mas não há dúvida de que seu filme é corajoso demais, tem a ousadia de deixar o passado virar uma ideia e abrir portas para o futuro. As pessoas sentiram esse impacto, prova disso é toda a celeuma em torno deste filme.

O fato é que gostamos da segurança da cultura pop. Quando se tira essa segurança, muitos reagem de forma irracional, é até compreensível. Mas, como eu já afirmei, nem tudo é causa para alarde. Há muitas análises e pontos de vista sobre o filme com embasamento e boas argumentações.  A crítica americana em geral endeusou Os Últimos Jedi, mas minha reflexão e algumas ponderações negativas sobre ele me fizeram reavaliar alguns dos seus aspectos. Nem tanto ao céu, nem ao inferno. Faz parte da atividade de reflexão sobre a obra de arte.

O que podemos fazer é, como tudo na internet, tentar separar o joio do trigo, o que é útil em meio ao mar de besteiras. É uma das funções da atividade crítica, a qual sempre faço questão de repetir em textos, nos nossos cursos e para quem conversa comigo sobre cinema: provocar a reflexão, ir de encontro ao imediatismo, às opiniões rasas e apressadas. Fanatismo é a morte do debate. Exigir que uma obra de arte cumpra as suas expectativas é um desejo fanático e infantil. A obra, os personagens… Nada disso pertence a você. Pertencem a quem está criando a obra de arte. Você não manda na arte: você, eu, todos nós, somos receptores. Podemos avaliar e discutir, manifestar nosso desejo de apoiar essa obra ou não, mas tudo isso só ocorre depois do ato da criação. E ao contrário do que aqueles caras do tal do MBL acreditam, não é função da arte nos deixar confortáveis ou mostrar só coisas “bonitinhas”.

Stephen King é que foi visionário: ele não podia saber, mas a internet deu voz a milhares de Annie Wilkes por todo o mundo. As Annie Wilkes do mundo não sabem argumentar, nem criar. Quase sempre só reclamam. E exigem que os objetos de sua adoração se conformem às suas vontades. Cabe aos espectadores e verdadeiros fãs do cinema identificá-las e parar de dar atenção para elas. E rever (ou reler) Louca Obsessão nunca faz mal.

Ah, e não, eu não considero meu irmão uma Annie Wilkes. Mas mesmo ele, um sujeito que considero equilibrado, de vez em quando parece que perde a cabeça por causa do bendito Star Wars. É algo a se pensar.

Enfim, essa é a minha primeira resolução para 2018: identificar e não dar mais bola para os “fãs” da cultura pop. Deixo a sugestão para todos que lerem isso façam o mesmo. Sua vida poderá ficar mais feliz.  E no fim das contas, vale sempre lembrar: É só um filme, galera! Essa é uma das belezas do cinema: Significa tudo, e ao mesmo tempo, nada.

Agora, me deem licença que eu não quero mais pensar em Os Últimos Jedi por um bom tempo.