A característica mais forte da série Ozark, da Netflix, é o seu pragmatismo. Desde a primeira temporada, que enfocava a fuga da família Byrde para a região remota dos lagos das montanhas Ozarks no Estado do Missouri, a série apresentava uma visão praticamente “ecológica”, detalhando como o ecossistema criminoso do lugar era alterado quando os Byrdes, a espécie nova, era introduzida no local.

A chegada da família e seu envolvimento com outros criminosos, bem como o trabalho deles para o cartel mexicano que os mantém sob ameaça, afetou e destruiu vidas. Mas tudo acontecia por causa da luta pela sobrevivência: as pessoas fazem escolhas, já disse Marty Byrde na primeira temporada, e essas escolhas são determinadas pelo desejo de autopreservação, de se ficar vivo – desejo comum a todas as criaturas vivas na Terra, sejam elas humanas ou não.

Assim, nesta segunda temporada vemos os personagens continuando suas lutas nervosas para sobreviver: Marty (Jason Bateman) e Wendy (Laura Linney), sob o olhar implacável do cartel, não medem esforços para a criação de um cassino no lago para lavar dinheiro da organização. Isso os força a uma aliança tênue com o casal Jacob e Darlene Snell (Peter Mullan e Lisa Emery), traficantes de drogas. Enquanto isso, Ruth (Julia Garner) busca uma saída para si e seu irmão Wyatt (Charlie Tahan), mas precisa lidar com o retorno do seu pai criminoso (Trevor Long), libertado sob condicional. E em meio a isso, o agente Perry (Jason Butler Harner) do FBI ainda se mostra obcecado em acabar com os Byrdes.

A visão em Ozark é pragmática porque não há espaço para praticamente nada além da luta pela sobrevivência. Não há, na série, aquela curiosa mistura de suspense com humor que víamos, por exemplo, em outras séries que misturavam famílias e crimes como Breaking Bad ou mesmo Família Soprano. Em Ozark, o tom é quase sempre sombrio e sufocante: quando um personagem até querido do público morre nesta segunda temporada, os demais se emocionam apenas por um pouco e logo tocam o barco em frente. Um ou dois episódios depois até vemos Marty usando essa morte para ajudar nos seus esquemas. Todos os personagens estão basicamente cuidando dos seus próprios interesses e buscam saídas desesperadas para as circunstâncias adversas que a vida lhes trouxe.

Dando vida a essa visão dos produtores e roteiristas, o elenco se mostra inspirado. Bateman e Linney, claro, já vem fazendo grandes trabalhos desde a temporada anterior – ela, em especial, se mostra fantástica neste novo ano, adicionando mais texturas à sua personagem, algumas sombrias, outras bastante “maternais”, quando ela precisa manter a família unida, por exemplo. Mas também merecem destaque especial a jovem Garner, além de Mullan e Emery – Garner brilha como a figura mais trágica e empática da série, e uma cena em especial entre Mullan e Emery no nono episódio da temporada é um momento tocante e surpreendente, vivido à perfeição pelos atores. Emery, em especial, é assustadora e uma das qualidades desta nova temporada é um maior aprofundamento das personagens femininas. Afinal, até a advogada do cartel vivida pela intimidante Janet McTeer, uma personagem nova, chama a atenção e rouba algumas cenas com sua frieza.

Além do elenco, impressiona na série a condução dos episódios. Os 10 segmentos que compõem a temporada são marcados pelo constante “pé no acelerador” e realmente ver a série pode ser uma experiência meio extenuante por causa disso. O quinto episódio, por exemplo, é dominado pela tensão, proveniente das várias linhas de história colidindo. Essa condução implacável reforça o sentimento da série: afinal na luta pela sobrevivência há pouco ou quase nenhum espaço para leveza, desvios ou sentimentalidade.

Ou será que há? Nos episódios finais da temporada, um estranho componente começa a se infiltrar na série. Ora, por mais pragmática que seja Ozark, é uma série conduzida por figuras humanas, e os seres humanos nem sempre são pragmáticos ou lógicos. Personagens movidos pelo desejo de manter – como Wendy – ou de ter uma família – como Darlene – ameaçam levar a dinâmica do seriado a uma dimensão inédita e imprevisível na próxima temporada. A busca por uma fuga é o sentimento que move a maioria dos personagens de Ozark desde o início; infelizmente, para eles, a fuga é muito difícil ou mesmo impossível por causa dos fatores que os tornam humanos, e não meros animais.