Há quem acredite que uma imagem vale mais que mil palavras. Mas há momentos em que as palavras se fazem necessárias, seja para complementar o que se vê, reafirmar ou apenas para oferecer um panorama realístico da situação. A ausência das palavras pode provocar estranhamento que nem sempre soam como positivos. É neste último quadro que se encaixa Para Ter Onde Ir.

O longa-metragem paraense exalta de maneira delicada a sua terra. Escrito e dirigido por Jorane Castro, ela homenageia seu Estado colocando a cultura paraense em evidência por meio dos cenários, da trilha sonora carregada de tecnomelody, o sotaque de seus personagens. O que o torna um filme de casa nortista, causador de identificação cultural. Parte desta relação se constrói por meio da fotografia de Beto Martins, responsável por capturar com maestria a conexão presente entre as cidades do Norte e a floresta. Isto é percebível no momento em que ele consegue ressurgir a memória imagética da Belém, Capital das Mangueiras.

Os enquadramentos são esteticamente belos. Há uma preocupação com as formas e a mensagem que elas querem transmitir, entretanto, este mesmo cuidado não é visto na montagem. Para Eisenstein, a montagem vai muito além do processo de sequenciar as imagens, ela é quem confere sentido ao filme. Seguindo esta lógica, este é um dos elementos cinematográficos que prejudicam a condução de “Para Ter Onde Ir”.

Se a montagem é a responsável pelo sentido do filme, em muitos momentos durante a projeção ela joga as informações parecendo não haver um cuidado se ela casa com a imagem anterior e juntas conseguem formar um sentido de continuidade a obra. O roteiro se constrói mais sob as imagens do que os diálogos e há momentos na montagem que a ausência deste último compromete o entendimento da situação. Mas isto ocorre especialmente por uma pergunta que surge em vários momentos e nunca consegue ser respondida – Por quê?

Um ponto muito interessante de se notar em qualquer obra é sua motivação. A motivação é um dos elementos que faz com que o vilão interpretado por Michael B. Jordan em “Pantera Negra” seja admirado e se chegue até mesmo a torcer por ele. E essa ausência em “Para Ter Onde Ir” prejudica a compreensão da narrativa.  Acompanha-se três mulheres em uma viagem de carro, partindo da capital para o litoral, mas em momento algum fica claro o que as une, porquê viajam juntas e para onde vão.

Nesse conjunto, o roteiro não consegue se fechar. Abre pontas que não se costuram. Há constantemente a formulação de indagações que não são solucionadas e isto não pode nem ser explicado pelo argumento de que as protagonistas estão em uma busca pessoal, já que isso não é posto em cena. Fica claro que elas estão à procura de algo, mas assim como os porquês, desconhece-se na maior parte do filme o que lhes é tão importante, com exceção de Keithylennye (Keila Gentil), que é a personagem mais completa nesse sentido.

As escolhas de construção do longa-metragem não ajudam a criar empatia pelas personagens ou mesmo entender o que as levou a ir. Um exemplo dessa dificuldade construtiva é a cena do reencontro entre Eva (Lorena Lobato) e o filho, na qual a poética imagética e sonora predominam sob o que é realmente importante ao expectador que busca o porquê da narrativa. Por mais poético que as escolhas possam soar, muitas vezes o bom feijão com arroz não é nada mal.

As cenas de encontros e reencontros na praia de Atalaia, no município de Salinas, demonstram a necessidade não apenas dos diálogos, mas da carga dramática. Os diálogos não são fortes, chegam a responder algumas questões, mas não se expandem e soam corriqueiros.  Já que a tensão necessária na interpretação não é vista, nem tampouco sentida.

Ainda assim, é preciso destacar que há momentos em que a carga dramática é sentida, ao compreender a extensão do pensamento e amor materno. Nas poucas palavras de Keithylennye, “artista nada, eu sou é mãe”. E esta é a oportunidade que o filme consegue captar certa motivação nas protagonistas. Mas só naquelas que carregam a maternidade. Surgindo assim, outra questão incômoda que se refere ao tratamento dado a Melina (Ane Oliveira).

Posta como alguém de espírito livre, é a única das três mulheres que não possui ligação com a maternidade, mas sua construção de liberdade confunde-se com libertinagem. A maioria de seus diálogos está relacionada a relações amorosas e como elas são frágeis. As três orbitam em relacionamentos débeis, e é duro perceber mais uma vez que para as produções audiovisuais a mulher livre e independente só se associe a liberdade sexual, quando há um mundo de possibilidades a ser explorado, mesmo em um universo tão curto quanto um filme de 100 minutos. Ainda mais quando a posição de mãe parece ser a única coisa válida para motivar as outras personagens.

A sensação que fica de “Para Ter Onde Ir” são as imagens de um Pará encantador e de um filme que poderia entregar bem mais e chegar a algum lugar, mesmo que a indagação de “porquê” não pare de orbitar na mente.