Quando os fãs e espectadores começaram a assistir à terceira temporada de Penny Dreadful, não faziam ideia de que estavam vendo também o último ano da série. No cenário televisivo pop dominado por Game of Thrones e The Walking Dead, a criação do roteirista e produtor John Logan nunca rendeu uma grande audiência para o canal Showtime e, de quebra, ainda era cara de produzir, mas tinha uma legião de fãs devotos que esperavam ver ainda mais alguns anos de aventuras assustadoras com aqueles personagens, alguns originais, outros transplantados de grandes obras da literatura fantástica. Mas não aconteceu. Quando o nono episódio da temporada se encerrou, as palavras “The End” surgiram na tela e Penny Dreadful seguiu em direção daquele grande pós-vida para onde os seriados vão após o desfecho.

Mas então, a pergunta que não quer calar é… Saiu de cena bem? A resposta a essa pergunta é ao mesmo tempo “sim” e “não”. Houve muitas coisas boas nessa derradeira temporada, outras não funcionaram tão bem, e não se pode chamar o episódio final de satisfatório, realmente. Mas, para aqueles que assistiam à série principalmente pela heroína Vanessa Ives, vivida por Eva Green, a terceira temporada forneceu certo sentido de finitude.

Vanessa começa a temporada sozinha, pois após combater as forças do mal no ano anterior, todos os personagens se dispersaram. Sir Malcolm Murray (Timothy Dalton) e John Clare (Rory Kinnear) embarcam em viagens para lugares completamente opostos, Victor Frankenstein (Harry Treadaway) se resigna a ficar mais deprimido ainda por ter perdido sua “noiva” Lily (Billie Piper), e Ethan Chandler (Josh Hartnett) foi preso e enviado para os Estados Unidos, de volta para os cuidados de seu pai.

No entanto, nos primeiros episódios, Logan começa a remanejar seus personagens para a reunião. Malcolm é abordado por Kaetenay (vivido pelo veterano ator nativo-americano Wes Studi) e ambos partem numa missão para salvar Ethan. Este, por sua vez, começa a ser ajudado por Hecate (Sarah Greene), uma das bruxas sobreviventes da temporada anterior. Frankenstein se reencontra com seu amigo doutor Jekyll (claro que ele um dia ia aparecer!) e ambos traçam um plano para recuperar Lily. Esta, por sua vez, começa a liderar um exército de mulheres, em busca de uma revolução contra os opressores masculinos. E Vanessa resolve começar a viver e até conhece um possível pretendente na figura do doutor Sweet (Christian Camargo, eternamente lembrado como o irmão do Dexter). Mas nas sombras, uma nova ameaça espreita, o vilão que o público espera ver desde o primeiro ano, o Conde Drácula.

Penny Dreadful

E, obviamente, se temos o Drácula, alguns dos personagens coadjuvantes do clássico livro de Bram Stoker também dão as caras. Vemos um assustador Renfield (Sam Barnett) e a doutora (!) Seward. A doutora é interpretada por Patti LuPone, que na temporada anterior brilhou como a parteira meio bruxa num episódio inesquecível para os fãs. Não faz muito sentido para a série chamar de volta a atriz, que já fez um papel antes, para fazer outro, e essa estranheza é até notada por Vanessa, mas nunca explicada. Porém, quem se importa? Mais cenas com Eva Green e Patti LuPone juntas? Ninguém pode reclamar disso.

Essa atitude solta e relaxada, de ora ironizar, ora abraçar alguns clichês da televisão, é uma das características que fez de Penny Dreadful uma grande diversão. E não nos esqueçamos, é algo que a série tem em comum com a sua inspiração, as clássicas historinhas assustadoras das velhas “penny dreadfuls” inglesas, as revistas com histórias sensuais e de terror que atiçavam a imaginação da Inglaterra puritana no século XIX. Outros elementos sensacionalistas e com um pé no trash dessa temporada, que deixariam os autores das velhas “dreadfuls” orgulhosos, são as belas cenas de faroeste, filmadas com um tom sépia amarelado que contrastam com a fotografia eternamente fria e sombria da série, e o plano de Lily, que se torna uma vilã grandiloquente, permitindo a Piper exibir uma veia histriônica bem interessante.

Aliás, um dos temas da temporada foi realmente a força das personagens femininas. Com Hecate, a moça-demônio, tentando o lobisomem Ethan; Lily e seus planos de “dominação do mundo”; e Vanessa sendo perseguida por Drácula, fica claro que as mulheres de Penny Dreadful é quem são as personagens mais poderosas e importantes daquele universo. Devido à época em que a história se passa, elas acabam não conseguindo vencer a opressão masculina. Mas elas tentam… Chegam a ser incômodas algumas cenas com a aliança masculina entre Frankenstein, Jekyll (Shazad Latif) e Dorian Gray (Reeve Carney) para pôr sob controle a rebelde Lily. Porém, essas cenas também permitem mais um show de atuação de Piper, que teve nessa temporada momentos tão fortes quanto os de Eva Green, talvez até mais.

Penny Dreadful

E sobre a estrela da série: de novo ela teve um episódio para chamar de “quase” seu, no qual basicamente dividiu a tela com Kinnear – que se mostrou mais do que nunca um ator poderoso e comovente no papel do atormentado Clare, a criatura de Frankenstein. Quando se concentrou nos seus incríveis intérpretes, Penny Dreadful brilhou. É difícil criar personagens humanos e que despertem empatia do público em meio às tramas exageradas e góticas, mas Logan conseguia.

Por isso mesmo, é difícil crer nas palavras do criador quando ele afirma que a série sempre foi destinada a ter apenas três temporadas. Se fosse o caso, porque iniciar o ano com a viagem de Clare, sendo que logo no primeiro episódio ele já se decide a voltar a Londres? Por que ressuscitar Lily no final do primeiro ano e não fazê-la reencontrar Ethan mais à frente? Por que introduzir uma forte nova personagem – a Catriona vivida por Perdita Weeks – a poucos episódios do fim? Essa personagem, aliás, passa a impressão de ter sido criada como substituta em potencial de Vanessa, caso Eva Green não quisesse mais fazer o seriado ou seu arco chegasse ao fim. Cat é uma matadora de vampiros, bonita, decidida e forte – mais uma mulher poderosa na série – e sua presença aponta para desenvolvimentos futuros que não serão vistos.

Por não resolver a contento a grande maioria dos arcos dos personagens, não se pode dizer que Penny Dreadful chegou a um final verdadeiro e satisfatório. Logan, no entanto, estava certo quando disse que Vanessa era o coração do seriado, e é com ela que o roteirista – que esse ano até delegou a escrita de alguns episódios a outros, um sinal de cansaço? – chega ao fim. Ela é a verdadeira criação de um seriado no qual a maior parte da matéria-prima veio de fora, de outras fontes. É graças a ela, e à sua destemida intérprete, que chegamos ao fim da temporada lamentando pelo fim da série.

Penny Dreadful

Logan é um caso interessante: um escritor homossexual assumido que criou tantas tramas bem masculinas, como as dos filmes Gladiador (2000), Jornada nas Estrelas: Nêmesis (2002), O Aviador (2004) e os últimos filmes de James Bond, mas teve numa personagem feminina a sua maior realização, e encerrou a sua jornada com uma espécie de declaração de amor ao poder das mulheres. A comparação entre Vanessa Ives e Joana D’Arc em um dos episódios é clara, e mesmo com esse final apressado e não inteiramente convincente, a criação de Logan também alcança uma espécie de transcendência. Daqui a alguns anos, suspeito, muitos ainda se lembrarão da grande protagonista de Penny Dreadful. Talvez caiba uma ressurreição, mais para frente?