Representatividade e tradição são as duas palavras que definem “Podres de Rico”, o novo filme de John M. Chu. Inspirado na obra “Crazy Rich Asians” de Kevin Kwan, a trama acompanha a professora de Economia, Rachel Chu (Constance Wu) que vai a Singapura conhecer a família multimilionária do namorado, Nick Young (Henry Golding). Esse é o pano de fundo para uma narrativa rica em apresentar costumes e singularidades da Ásia, apesar de falhar no drama.

Representatividade

Um dos pontos que chama a atenção imediatamente no longa é o elenco completamente asiático ou asiático-americano. A última produção desse porte foi em 1993 com “O Clube da Felicidade e da Sorte”, de Wayne Wang, sobre quatro mulheres chinesas que se encontram regularmente para trocar histórias familiares. O filme trata de questões culturais, conflituosas e tumultuadas, que, apesar de não ser o ponto de “Podres de Ricos”, levantam indagações interessantes para discutir-se.

Estima-se que 5,6% da população dos Estados Unidos seja formada por imigrantes asiáticos, portanto ter produções inspiradas em sua cultura e interpretada por astros que tenham origens no continente é um acerto. Ao perceber as constantes bilheterias de filmes que carregam o mesmo teor representativo, como os sucessos “Pantera Negra” e “Mulher Maravilha”, torna-se evidente que o espectador quer ir ao cinema contemplar narrativas com escalação de elenco que lhe possam causar identificação e aceitação. Para o público deste grupo étnico é ainda mais significativo considerando o whitewashing de produções recentes como “A Vigilante do Amanhã” e “A Grande Muralha”.

Por mais que o roteiro de Adele Lim e Peter Chiarelli apresente uma história lugar-comum para uma comédia romântica, o que mais cativa na abordagem deles é justamente as inserções de características que fogem ao estereótipo branco-americanizado presente na maioria das tramas do gênero. Nesse aspecto, é válido relembrar produções como o seriado “Andi Mack”  e o original Netflix “Para Todos os Garotos que Já Amei”: ambos exploram a vida e costumes de garotas asiático-americanas, possuindo intérpretes de ascendência oriental tanto como protagonistas como em papéis secundários.

Tradição: Protagonismo cultural e social asiático

No livro, Kevin Kwan explora os costumes surreais de ricos herdeiros de antigos clãs industriais em Singapura. O diretor John M. Chu compra não apenas o argumento, mas transcende algo muito mais forte presente na cultura asiática: o tradicionalismo.

Em um dos diálogos da trama, alguém comenta que “se as tradições não forem passadas para frente, elas morrerão”. Este é um dos dogmas mais assertivos em relação à cultura milenar do Oriente, que sobrevive através dos anos por meio desse diálogo entre as gerações antigas com as mais recentes. “Podres de Ricos” estabelece essa conexão mediante a lealdade filial e a relação matriarcal da família Young.

Desde que é apresentada ao clã do namorado, Rachel é mal vista por atacar inconscientemente as duas maiores ligações conservadoras que a narrativa aborda. Primeiro que ao escolhê-la como companheira, Nick coloca em choque a tradição e a confiança da família. Afinal, preteri-la é distanciar-se dos planos feitos, desde sua infância, para ele assumir os negócios, já que Nova York se tornaria sua residência fixa. E isso acaba por alimentar o conflito entre Rachel e Eleanor Young (Michelle Yeoh), mãe de Nick, que vê na namorada do filho um desaforo a todas as batalhas que travou para manter-se no clã, incluindo a própria abdicação aos estudos. Pois na tradição asiática, cabe a mãe a responsabilidade de treinar os filhos para herdarem a liderança industrial, mesmo que para isso tenha que anular-se. Assim, Rachel representa para a matriarca a quebra de lealdade, o distanciamento auto imposto pelo filho e o atestado de sua falha como progenitora.

Soma-se a essa repulsa de Eleanor, a ausência de raízes de Rachel. Apesar de nascida na China e conhecer a língua, seus costumes e modo de viver são americanos. Como a mãe da personagem afirma, embora sua aparência fosse chinesa, sua alma já havia sido colonizada. Tomando os aspectos culturais asiáticos, há uma crítica presente ao jeitinho americano, o qual opta por perseguir os sonhos em detrimento de honrar as tradições familiares, vitais à conjuntura inserida na trama.

Ainda envolvendo o protagonismo cultural, há a presença marcante do figurino e da escolha de cores para imergir no simbolismo oriental. Como a opção do uso do vermelho para o primeiro encontro de Rachel com a família Young ou o verde turquesa, que significa infidelidade em algumas culturas da região, durante o confronto de Eleanor e a nora. Para completar, há podemos apreciar um breve passeio pela culinária do país.

De forma intrigante, a edição do filme homenageia os elementos gráficos de jogos e animações japonesas e coreanas, utilizando-os para conferir maior atrativo visual as mensagens instantâneas.

Mulheres em destaque

Embora seja uma comédia romântica, “Podres de Ricos” é um filme dominado e regido por mulheres. A própria apresentação da família Young aponta para um clã matriarcal, mesmo que sejam os homens responsáveis pelos negócios. Jon M. Chu se preocupa em mostrá-las e como são as responsáveis em manter firmes os alicerces da poderosa família. Isso inclui, por exemplo, a ala mais jovem com a personagem de Astrid (Gemma Chan, em ótimo trabalho), a qual diferente de seus primos, está focada na marca da linhagem e como protegê-la de escândalos. Pena não ter tanto espaço assim na trama.

Neste ritmo, Rachel Chu se mostra uma personagem bem mais atraente que Nick. A trama só se desenvolve por conta dela e suas escolhas, em nome dos sentimentos pelo namorado e a coragem de infringir as barreiras sociais em nome de sua felicidade. Até mesmo as atitudes derradeiras do rapaz só se cumprem porque ela tomou à dianteira. O interessante é perceber a potência de Rachel diante de todos os obstáculos que surgem diante dela, como decide erguer a cabeça e enfrentar a todos como uma mulher independente que galgou o espaço conquistado. Isso se torna mais vistoso quando posta em comparação o marido de Astrid, que possui a mesma origem humilde da professora, mas se mostra fraco diante de qualquer embate.

Mesmo diante da não aceitação de Rachel pela família, a sororidade pode ser sentida, seja por meio de Peik Lin (Awkwafina) e Astrid, as matriarcas do clã Young ou até mesmo Araminta (Sonoya Mizuno), que simpatiza com a protagonista de imediato e a trata como igual. É preciso salientar também o quanto elas são críveis, tangíveis e identificáveis. Todas essas mulheres e suas atitudes são um frescor diante de um continente em que a voz feminina é cerceada e a violência um ato aceito como medida corretiva dentro dos lares.

A exuberância do olhar de Jon M. Chu

Acumulando continuações no currículo (“Ela Dança, Eu Danço 2 e 3”, “Truque de Mestre: O Segundo Ato”), “Podres de Ricos” parece ser a grande cartada de Jon M. Chu. O diretor aproveita suas limitações para criar um espetáculo visual. As imagens conseguem captar a suntuosidade dos cenários paradisíacos da Ásia e das imponentes mansões chinesas. A escolha de enquadramentos e movimentos livres faz com que a cenografia adquira um impacto maior, principalmente a quem tem um primeiro contato visual com a arquitetura asiática moderna.

Evidente que todo este estilo projetado no decorrer do filme é apenas um preparo para a sequência do casamento. Mesmo que o núcleo de Araminta e Michael (Pierre Png) não seja tão aprofundado, o momento em que ela caminha até o altar é uma das cenas esteticamente mais bonitas do ano, talvez da década. É mágico. Surreal como as animações de Makoto Shinkai. A trilha sonora embalada por “Can’t Help Falling in Love” e a câmera zenital (a câmera posicionada em um ponto celeste e virada praticamente em 90º graus) passando pelo corredor que se enche de água para revelar a noiva caminhando sobre um riacho iluminado por seus convidados é surpreendente. Emocionante.

Trama fica aquém da beleza visual

Apesar de todos os seus aspectos positivos, “Podres de Ricos” parece uma grande apresentação de personagens. Há até aqueles que são citados e parecem ter relevância para a história, mas simplesmente somem. Com exceção de Rachel, Astrid e Eleanor, todos os outros envolvidos na trama são superficiais e inverossímeis, como o próprio Nick.

O que ocorre é o mau desenvolvimento de conflito e personagens. O roteiro não é clichê, mas, simplesmente não tem carga dramática. Mesmo o drama de Astrid, o único relevante por sinal, parece ser engolido pelo paralelismo de tramas. “Podres de Ricos” se prende muito em oferecer os costumes asiáticos, mas esquece de realmente avançar na narrativa, deixando a impressão de um roteiro fraco, preguiçoso que não consegue explorar tudo aquilo que se propõe a fazer.

Tanto que as indagações e aberturas que o filme remonta não são resolvidas. A questão da paternidade de Rachel é uma delas, soando como um argumento pequeno diante de personagens tão resolutas, afinal, não foi algo trabalhado anteriormente de maneira satisfatória.

Mesmo com toda exuberância das cores e as pequenas amostragens da cultura do país serem suficientes para entreter o público, “Podres de Rico” começa a cansar na parte final justamente pelos arcos dramáticos não serem explorados ao máximo. Nenhuma continuação foi confirmada, mas a sensação é que a história esteja esperando outro momento para se desenrolar. Algo visto também na adaptação de “Para Todos os Garotos que Já Amei”, a qual depende muito do diálogo entre livro e filme.

Seria esse o motivo da fragilidade de Podres de Ricos? Difícil dizer, mas diante de uma peça rica em representatividade e cultura, é desinteressante notar que a história não tenha força para se sustentar.